quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

A barba do Papai Noel (Capítulo 1)

 (Luciano Roberto)

"A barba do Papai Noel"

Passei os últimos dias sem escrever. Não por culpa minha, mas, final de ano letivo é difícil. Diários de classe para terminar, documentos para preencher, alunos em recuperação para avaliar, enfim, para quem trabalha com educação, sabe do mundo de burocracia que temos que lidar. 

Entretanto, escrevi um texto ontem e hoje, em seis capítulos. Uma história de sonho, de infantilidade, de amor e de desejo. Escrevi. Comecei e só parei quando dei um fim. A história fala do jovem sonhador Enoque, de Mariáh uma estudante apaixonada e de um professor universitário "pegador".

Sei da minha aventura insana no mundo da literatura e de minhas limitações. Ainda escreverei um grande livro, este é o meu maior e único sonho. Espero que gostem. Para você, que acompanhou meus textos nestes longos dias,  um grande abraço! 

Os capítulos serão expostos até o Dia de Natal.

A barba do Papai Noel
(Prólogo)

Papai Noel estava sentando como um verdadeiro rei em sua poltrona vermelha. Diante dele uma fila de crianças, mães e pais esperando a vez para tirar uma foto com o bom velhinho. O Shopping Puai, estava lotado, as pessoas observavam aquela cena, carregando consigo suas sacolas de presentes.

Enquanto isso, Papai Noel parecia está aflito, não dava a atenção merecida para as crianças. Os pais perceberam a grosseria do homem fantasiado de um símbolo que representava mais o capitalismo, do que o verdadeiro sentido do Natal.

Os olhos daquele que estava atrás da fantasia, procurava algo, até que finalmente encontrou.

Uma jovem e bela moça aproximou-se da fila onde estavam as crianças, acenou alguma coisa com a cabeça, papai olhou com seus olhos azuis, graças a uma lente de contato que o empregador havia lhe dado. Respondeu com a cabeça negativamente, mas já era tarde demais.

A moça se afastou, andou na praça de alimentação do shopping, parecia procurar alguém. Seguiu adiante, respirou fundo. Foi ao encontro da pessoa que procurava.

As pessoas continuavam andando com suas sacolas cheias de presentes, então algo inesperado aconteceu. Um estrondo de um disparo de uma arma. Uma algazarra tomou conta da praça de alimentação, a mulheres pegavam suas crianças e corriam não sabiam para onde. Papai Noel ficou em pé, sua respiração acelerou. Queria encontrar Mariáh no meio do caos, mas não encontrou.

As portas do Shopping foram fechadas, dezenas de seguranças surgiram de todos os lados. Diante deles um corpo agonizando. Papai Noel foi até o encontro dos seguranças, mas por motivos óbvios, pediram para que se retirasse dali. Finalmente seus olhos encontraram os olhos da moça.

O homem por trás da barba do Papai Noel, foi até o banheiro dos funcionários, se precaveu, percebendo que estava sozinho, entrou. Sentou-se no vaso sanitário, seu coração estava disparado. Suas mãos passavam em sua cabeça, a coloração branca do cabelo foi saindo.

Começou a tirar a roupa. Embaixo de sua barba retirou uma arma menor do que a palma de sua mão. Uma arma RUGER LCP. Estava apavorado, queria sair daquele ambiente o mais rápido possível, foi o que tentou fazer ao sair do banheiro. Queria encontrar Mariáh.


Chegando em Manaus
(Capítulo 1)

Enoque havia saído de casa cedo. Pegou uma lotação no bairro Jorge Teixeira, Zona Leste de Manaus. Tinha chegado a Manaus, já fazia uns seis meses. Veio em julho. Filho da bela terra de Barcelos, um dos maiores municípios em termos geográficos do Amazonas. Deixou sua terra natal, em busca de novas oportunidades na capital do meio da floresta.

Filho de pescador estudou com os padres salesianos, era aplicado, terminou o Ensino Médio e passou acreditar que poderia vencer na vida, queria novas oportunidades. Foi quando um primo comentou sobre a vontade de morar em Manaus. Enoque não hesitou, se o primo, que mal tinha estudado até a quarta série, tinha a ousadia de sonhar, porque ele não poderia.

Seguiram seus sonhos. Embarcaram no barco "Esperança", durante três dias, baixando o Rio Negro em rumo a grande metrópole. Seu pai teria aconselhado o jovem sonhador a desistir daquele sonho: “Fazer o que em Manaus? Toda a nossa família mora aqui, vive da pesca, da caça, do que planta. O que você vai fazer em Manaus, meu filho?”.

As palavras do velho Tóta entraram por um ouvido, e saiu por outro. A juventude possui algo de belo, que é a ousadia. Nada mais poderoso do que o sonho juvenil, ambições e desejos. Os primos vieram para Manaus.

Foram três dias de ansiedade. Durante a viagem Enoque se deitava na proa do barco, deixava o vento do norte bater em seu rosto. Não havia medo, apenas determinação. Ouviram falar do Distrito Industrial, iria conseguir um emprego, em poucos meses compraria uma casa. Ia buscar o resto dos irmãos e seus pais. Todo mundo trabalhando unido, todos cresceriam, Barcelos seria apenas uma cidadezinha para passar as férias e visitar os amigos. Aliás, seus amigos eram covardes, pois não tiveram a mesma ousadia que ele e seu primo tiveram. Pensava Enoque.

Uma viagem de barco é feito uma viagem de trem. Os trilhos são os rios que cortam a beleza única da natureza. O barulho do motor ecoa e se perde no mato. Enquanto está dormindo na rede, o balanço entra numa sintonia natural. Muitas vezes recebem a visita dos botos, quando menos percebem, a noite vem engolindo o dia e, o sol vai se escondendo devagarinho atrás da mata verde.

Sobre a tolda, a parte mais alta do barco, as pessoas conversam, namoram, jogam conversa fora, brincam de dominó e até mesmo paqueram outros viajantes. Foi na tolda do barco "Esperança" que Enoque viu pela primeira vez, uma jovem e bela mulher.

Sua pele tinha a mesma cor de jambo, seus cabelos negros e lisos, parecia um pedaço da noite que havia caído do céu, seus olhos negros, poderiam facilmente enxergar a alma de Enoque, seus lábios tinham o aroma do açaí. Enoque nunca havia visto mulher mais bela. Seus olhos se perderam, quando o vento veio loucamente, espalhar os cabelos dela. Enoque sentiu seu corpo sendo sugado. Mas do nada apareceu uma mão, foi posta em seus ombros, e Enoque sentiu um arpão, parecido aos arpões que seu pai fazia para pescar pirarucu, penetrar em seu coração.

Os dias no barco foram apenas para apreciar de longe tanta beleza. Parecia que os dias começaram a passar mais rápido. A única informação que Enoque teve da tal moça, é que ela era uma estudante de arqueologia, que havia passado um tempo em São Gabriel da Cachoeira, estudando os impactos entre a cultura do homem branco na cultura dos jovens indígenas do município. Seu nome, ele descobriu por acaso, Mariáh. Enoque ouviu o homem que acompanhava a moça,  chamando o seu nome. Mas para Enoque, em sua imaginação, tinha sido o vento que havia sussurrado em seu ouvido: Mariáh!

Era de madrugada, quando Enoque e o seu primo viram o clarão que vinha de Manaus. Nunca tinha visto tanta luz! Em Barcelos, havia geradores para produzir eletricidade, mas ali, na terra dos Manaós, a eletricidade era em abundância. Conforme o barco se aproximava do cais, mais nítida ficava a cápsula majestosa do Teatro Amazonas.

Os viajantes começaram a tirar as redes. Enoque e o seu primo, preferiram esperar, não tinham pressa. Iam para onde? Um conhecido da família em uma visita a sua família algum tempo atrás tinha falado de uma periferia, onde poderia encontrar quartos com alugueis baratos, sem precisar pagar água e energia. O bairro era chamado Jorge Teixeira. Lugar onde os dois iriam.

O barco foi ancorado, Enoque pulou. Era a primeira vez que colocava os pés sobre Manaus. Viu a moça que tinha arpado o seu coração, ela pediu ajuda com as mochilas que estava carregando, logo Enoque tornou-se muito mais forte do que seu franzino corpo poderia imaginar.

Pegou as mochilas, deu a mão para a moça e ajudou ela a ficar em terra firme. Enoque sem controlar seus extintos, ou sua inocência, falou quase sem perceber:

__ “Você é linda!” A moça olhou para ele e sorriu. Imediatamente seu acompanhante chegou. Tirou uma nota de cinco reais e deu a Enoque.

__ “Qual o seu nome?” Numa última tentativa, segurando a cédula na mão ouviu a resposta.

__ “Mariáh!” A moça respondeu. O vento não havia mentido para Enoque.

__ “Ora Mariáh, você dá confiança pra vagabundo, vamos!”. Falou o acompanhante da jovem.

Mariáh, logo se foi, caminhando entre tantas pessoas no Porto de Manaus. Enoque e o seu primo, duas horas mais tarde fizeram o mesmo, sem conhecer a cidade, não esquecia as palavras que o Padre Chicão lhe aconselhou: “Quem tem boca vai a Roma! Não tenha medo de perguntar, não tenha medo de buscar a sua felicidade meu rapaz”. Foi perguntando que Enoque e seu primo pegaram o ônibus da linha 622, rumo à periferia Jorge Teixeira.

Logo fizeram amizade com um rapaz dentro do ônibus. Falaram que estavam querendo alugar um quarto, simples e barato. O rapaz, que se apresentou com o apelido “Papagaio”, tornou-se amigo e parceiro dos primos. Apresentou um quartinho nos fundos da casa. Papagaio morava só com a mãe, ele tinha construído uma casa de madeira com ajuda dela, no fundo do quintal, quando esse havia engravidado sua namorada. Mas o casal não deu muito certo, quando estavam com uns sete meses, a garota foi embora e nunca mais voltou. Papagaio até hoje não sabe o paradeiro da sua namorada. E tão pouco sabe da criança.

Alugaram. Dona Expedita gostou muito da ideia de ter dois rapazes morando ali. Ora, o Jorge Teixeira era um lugar violento. Ela gostou principalmente do primo do Enoque, rapaz forte e meio selvagem.

Enoque e o Primo - foi assim mesmo que o primo passou a ser chamado: “Primo”. Começaram a ir, em busca de trabalho e perceberam que os tempos dourados de emprego no Distrito Industrial eram apenas histórias de outrora. A realidade era que várias indústrias estavam fechando suas portas. Trabalho escasso, o que se tinha era muito subemprego.

O primeiro emprego que Primo conseguiu, foi como churrasqueiro. Era o tempo do famoso “churrasquinho de gato”, muito comum nas ruas da cidade, assim que os jovens vieram para Manaus, em julho de 2000, encontraram famílias inteiras vendendo churrasquinho nas esquinas de Manaus. Primo trabalhava para Dona Expedita, ganhava uns trocados por dia, além de comer toda a comida que sobrava.

Às vezes, o Primo não só comia a comida, mas a própria Dona Expedita. Dona Expedita tinha idade para ser sua mãe, mas quem disse que ele se importava. O próprio Papagaio não quis aceitar a situação da mãe com um cara quase da sua mesma idade, engoliu seco o relacionamento dos dois. Acabou aceitando. Foi Dona Expedita que tirou o cabaço do menino Primo.

Bem que dona Expedita não era tão ruim. Se fosse um pouco mais cuidada, ainda dava para ganhar de muitas garotinhas. O problema foi sua vida dura, casou-se cedo. Teve cinco filhos. Três no primeiro casamento. Quando engravidou do terceiro filho, levou um chute na boca do estômago, que levou ela a abortar imediatamente. Ao se recuperar, pegou seus dois filhos e deu para pessoas estranhas. Até hoje não sabe do paradeiro deles. Casou-se uma segunda vez, agora apanhava e ainda servia como prostituta para o cafetão do marido. Teve mais dois filhos, o primeiro ela tinha certeza que era do homem com quem convivia, mas o segundo não. Em um ato de desespero, fugiu e levou consigo o seu menino, que tem o apelido de Papagaio.

A vida ia levando, os primos conseguiram moradia, comida e uma família. Enoque continuava perseguindo uma vaga no Distrito Industrial, trabalhar para ter uma vida mais digna. Enquanto não realizava, vivia de fazer “bicos”, trabalhava aqui e ali, enquanto seus pensamentos continuavam a chamar “Mariáh!”. 

(Continua...)
  

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