(Luciano Roberto)
"A barba do Papai Noel"
Passei os últimos dias sem escrever. Não por culpa minha, mas, final de ano letivo é difícil. Diários de classe para terminar, documentos para preencher, alunos em recuperação para avaliar, enfim, para quem trabalha com educação, sabe do mundo de burocracia que temos que lidar.
Entretanto, escrevi um texto ontem e hoje, em seis capítulos. Uma história de sonho, de infantilidade, de amor e de desejo. Escrevi. Comecei e só parei quando dei um fim. A história fala do jovem sonhador Enoque, de Mariáh uma estudante apaixonada e de um professor universitário "pegador".
Sei da minha aventura insana no mundo da literatura e de minhas limitações. Ainda escreverei um grande livro, este é o meu maior e único sonho. Espero que gostem. Para você, que acompanhou meus textos nestes longos dias, um grande abraço!
Os capítulos serão expostos até o Dia de Natal.
A barba do Papai Noel
(Prólogo)
Papai
Noel estava sentando como um verdadeiro rei em sua poltrona vermelha. Diante
dele uma fila de crianças, mães e pais esperando a vez para tirar uma foto com
o bom velhinho. O Shopping Puai, estava lotado, as pessoas observavam aquela
cena, carregando consigo suas sacolas de presentes.
Enquanto
isso, Papai Noel parecia está aflito, não dava a atenção merecida para as
crianças. Os pais perceberam a grosseria do homem fantasiado de um símbolo que
representava mais o capitalismo, do que o verdadeiro sentido do Natal.
Os
olhos daquele que estava atrás da fantasia, procurava algo, até que finalmente
encontrou.
Uma
jovem e bela moça aproximou-se da fila onde estavam as crianças, acenou alguma
coisa com a cabeça, papai olhou com seus olhos azuis, graças a uma lente de
contato que o empregador havia lhe dado. Respondeu com a cabeça negativamente,
mas já era tarde demais.
A
moça se afastou, andou na praça de alimentação do shopping, parecia procurar
alguém. Seguiu adiante, respirou fundo. Foi ao encontro da pessoa que
procurava.
As
pessoas continuavam andando com suas sacolas cheias de presentes, então algo
inesperado aconteceu. Um estrondo de um disparo de uma arma. Uma algazarra
tomou conta da praça de alimentação, a mulheres pegavam suas crianças e corriam
não sabiam para onde. Papai Noel ficou em pé, sua respiração acelerou. Queria
encontrar Mariáh no meio do caos, mas não encontrou.
As
portas do Shopping foram fechadas, dezenas de seguranças surgiram de todos os
lados. Diante deles um corpo agonizando. Papai Noel foi até o encontro dos
seguranças, mas por motivos óbvios, pediram para que se retirasse dali.
Finalmente seus olhos encontraram os olhos da moça.
O
homem por trás da barba do Papai Noel, foi até o banheiro dos funcionários, se
precaveu, percebendo que estava sozinho, entrou. Sentou-se no vaso
sanitário, seu coração estava disparado. Suas mãos passavam em sua
cabeça, a coloração branca do cabelo foi saindo.
Começou
a tirar a roupa. Embaixo de sua barba retirou uma arma menor do que a palma de
sua mão. Uma arma RUGER LCP. Estava apavorado, queria sair daquele ambiente o mais rápido possível,
foi o que tentou fazer ao sair do banheiro. Queria encontrar Mariáh.
Chegando em Manaus
(Capítulo 1)
Enoque
havia saído de casa cedo. Pegou uma lotação no bairro Jorge Teixeira, Zona
Leste de Manaus. Tinha chegado a Manaus, já fazia uns seis meses. Veio em
julho. Filho da bela terra de Barcelos, um dos maiores municípios em termos geográficos
do Amazonas. Deixou sua terra natal, em busca de novas oportunidades na capital
do meio da floresta.
Filho
de pescador estudou com os padres salesianos, era aplicado, terminou o Ensino
Médio e passou acreditar que poderia vencer na vida, queria novas oportunidades. Foi
quando um primo comentou sobre a vontade de morar em Manaus. Enoque não
hesitou, se o primo, que mal tinha estudado até a quarta série, tinha a ousadia
de sonhar, porque ele não poderia.
Seguiram
seus sonhos. Embarcaram no barco "Esperança", durante três dias, baixando o Rio
Negro em rumo a grande metrópole. Seu pai teria aconselhado o jovem sonhador a
desistir daquele sonho: “Fazer o que em Manaus? Toda a nossa família mora aqui,
vive da pesca, da caça, do que planta. O que você vai fazer em Manaus, meu
filho?”.
As
palavras do velho Tóta entraram por um ouvido, e saiu por outro. A juventude
possui algo de belo, que é a ousadia. Nada mais poderoso do que o sonho juvenil,
ambições e desejos. Os primos vieram para Manaus.
Foram três dias de ansiedade. Durante a viagem Enoque se deitava na proa do barco,
deixava o vento do norte bater em seu rosto. Não havia medo, apenas
determinação. Ouviram falar do Distrito Industrial, iria conseguir um emprego,
em poucos meses compraria uma casa. Ia buscar o resto dos irmãos e seus pais.
Todo mundo trabalhando unido, todos cresceriam, Barcelos seria apenas uma
cidadezinha para passar as férias e visitar os amigos. Aliás, seus amigos eram
covardes, pois não tiveram a mesma ousadia que ele e seu primo tiveram. Pensava Enoque.
Uma
viagem de barco é feito uma viagem de trem. Os trilhos são os rios que cortam a
beleza única da natureza. O barulho do motor ecoa e se perde no mato. Enquanto
está dormindo na rede, o balanço entra numa sintonia natural. Muitas vezes
recebem a visita dos botos, quando menos percebem, a noite vem engolindo o dia
e, o sol vai se escondendo devagarinho atrás da mata verde.
Sobre
a tolda, a parte mais alta do barco, as pessoas conversam, namoram, jogam conversa
fora, brincam de dominó e até mesmo paqueram outros viajantes. Foi na tolda do
barco "Esperança" que Enoque viu pela primeira vez, uma jovem e bela mulher.
Sua
pele tinha a mesma cor de jambo, seus cabelos negros e lisos, parecia um pedaço
da noite que havia caído do céu, seus olhos negros, poderiam facilmente enxergar a
alma de Enoque, seus lábios tinham o aroma do açaí. Enoque nunca havia visto
mulher mais bela. Seus olhos se perderam, quando o vento veio loucamente,
espalhar os cabelos dela. Enoque sentiu seu corpo sendo sugado. Mas do nada
apareceu uma mão, foi posta em seus ombros, e Enoque sentiu um arpão, parecido
aos arpões que seu pai fazia para pescar pirarucu, penetrar em seu coração.
Os
dias no barco foram apenas para apreciar de longe tanta beleza. Parecia que os
dias começaram a passar mais rápido. A única informação que Enoque teve da tal
moça, é que ela era uma estudante de arqueologia, que havia passado um tempo em
São Gabriel da Cachoeira, estudando os impactos entre a cultura do homem branco
na cultura dos jovens indígenas do município. Seu nome, ele descobriu por
acaso, Mariáh. Enoque ouviu o homem que acompanhava a moça, chamando o seu nome. Mas para Enoque, em sua
imaginação, tinha sido o vento que havia sussurrado em seu ouvido: Mariáh!
Era
de madrugada, quando Enoque e o seu primo viram o clarão que vinha de Manaus.
Nunca tinha visto tanta luz! Em Barcelos, havia geradores para produzir
eletricidade, mas ali, na terra dos Manaós, a eletricidade era em abundância.
Conforme o barco se aproximava do cais, mais nítida ficava a cápsula majestosa
do Teatro Amazonas.
Os
viajantes começaram a tirar as redes. Enoque e o seu primo, preferiram esperar,
não tinham pressa. Iam para onde? Um conhecido da família em uma visita a sua
família algum tempo atrás tinha falado de uma periferia, onde poderia encontrar
quartos com alugueis baratos, sem precisar pagar água e energia. O bairro era
chamado Jorge Teixeira. Lugar onde os dois iriam.
O barco foi ancorado, Enoque pulou. Era a primeira vez que colocava os pés sobre
Manaus. Viu a moça que tinha arpado o seu coração, ela pediu ajuda com as
mochilas que estava carregando, logo Enoque tornou-se muito mais forte do que
seu franzino corpo poderia imaginar.
Pegou
as mochilas, deu a mão para a moça e ajudou ela a ficar em terra firme. Enoque
sem controlar seus extintos, ou sua inocência, falou quase sem perceber:
__
“Você é linda!” A moça olhou para ele e sorriu. Imediatamente seu acompanhante
chegou. Tirou uma nota de cinco reais e deu a Enoque.
__
“Qual o seu nome?” Numa última tentativa, segurando a cédula na mão ouviu a
resposta.
__
“Mariáh!” A moça respondeu. O vento não havia mentido para Enoque.
__
“Ora Mariáh, você dá confiança pra vagabundo, vamos!”. Falou o acompanhante da
jovem.
Mariáh,
logo se foi, caminhando entre tantas pessoas no Porto de Manaus. Enoque e o seu primo, duas
horas mais tarde fizeram o mesmo, sem conhecer a cidade, não esquecia as palavras que o
Padre Chicão lhe aconselhou: “Quem tem boca vai a Roma! Não tenha medo de
perguntar, não tenha medo de buscar a sua felicidade meu rapaz”. Foi
perguntando que Enoque e seu primo pegaram o ônibus da linha 622, rumo à
periferia Jorge Teixeira.
Logo
fizeram amizade com um rapaz dentro do ônibus. Falaram que estavam querendo
alugar um quarto, simples e barato. O rapaz, que se apresentou com o apelido “Papagaio”,
tornou-se amigo e parceiro dos primos. Apresentou um quartinho nos fundos da
casa. Papagaio morava só com a mãe, ele tinha construído uma casa de madeira com
ajuda dela, no fundo do quintal, quando esse havia engravidado sua namorada. Mas o
casal não deu muito certo, quando estavam com uns sete meses, a garota foi
embora e nunca mais voltou. Papagaio até hoje não sabe o paradeiro da sua
namorada. E tão pouco sabe da criança.
Alugaram.
Dona Expedita gostou muito da ideia de ter dois rapazes morando ali. Ora, o
Jorge Teixeira era um lugar violento. Ela gostou principalmente do primo do
Enoque, rapaz forte e meio selvagem.
Enoque
e o Primo - foi assim mesmo que o primo passou a ser chamado: “Primo”. Começaram
a ir, em busca de trabalho e perceberam que os tempos dourados de emprego no
Distrito Industrial eram apenas histórias de outrora. A realidade era que
várias indústrias estavam fechando suas portas. Trabalho escasso, o que se tinha era muito
subemprego.
O
primeiro emprego que Primo conseguiu, foi como churrasqueiro. Era o tempo do
famoso “churrasquinho de gato”, muito comum nas ruas da cidade, assim que os
jovens vieram para Manaus, em julho de 2000, encontraram famílias inteiras
vendendo churrasquinho nas esquinas de Manaus. Primo trabalhava para Dona
Expedita, ganhava uns trocados por dia, além de comer toda a comida que
sobrava.
Às
vezes, o Primo não só comia a comida, mas a própria Dona Expedita. Dona
Expedita tinha idade para ser sua mãe, mas quem disse que ele se importava. O
próprio Papagaio não quis aceitar a situação da mãe com um cara quase da sua mesma idade, engoliu seco o relacionamento dos dois. Acabou aceitando. Foi Dona
Expedita que tirou o cabaço do menino Primo.
Bem
que dona Expedita não era tão ruim. Se fosse um pouco mais cuidada, ainda dava
para ganhar de muitas garotinhas. O problema foi sua vida dura, casou-se cedo.
Teve cinco filhos. Três no primeiro casamento. Quando engravidou do terceiro
filho, levou um chute na boca do estômago, que levou ela a abortar
imediatamente. Ao se recuperar, pegou seus dois filhos e deu para pessoas estranhas. Até hoje não sabe
do paradeiro deles. Casou-se uma segunda vez, agora apanhava e ainda servia
como prostituta para o cafetão do marido. Teve mais dois filhos, o primeiro ela
tinha certeza que era do homem com quem convivia, mas o segundo não. Em um ato
de desespero, fugiu e levou consigo o seu menino, que tem o apelido de Papagaio.
A
vida ia levando, os primos conseguiram moradia, comida e uma família. Enoque
continuava perseguindo uma vaga no Distrito Industrial, trabalhar para ter uma
vida mais digna. Enquanto não realizava, vivia de fazer “bicos”, trabalhava
aqui e ali, enquanto seus pensamentos continuavam a chamar “Mariáh!”.
(Continua...)