quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Por que alguns professores perdem a paixão pela sua profissão?¹

                                                     (Luciano Roberto)
Professores da Escola Estadual Gilberto Mestrinho na escolha do livro didático.

     A paixão, assim como o amor são sentimentos abstratos que a humanidade desenvolveu ao longo de sua jornada histórica. São sentimentos puros que se enquadram em relação à pessoa amada, aos filhos, a um bem material, a um animal de estimação e até mesmo a uma profissão. No mundo capitalista de mercado e lucro, nada melhor para um indivíduo do que trabalhar na profissão que lhe causa satisfação. 

    Conheço condutores de ônibus coletivos que adoram dirigir, imagino médicos que se sentem orgulhosos por serem úteis ao próximo, e claro, professores apaixonados em ensinar e aprender, diariamente, na sua praxe construtora de uma sociedade conscientizada. 

      Dando ênfase ao professor, surge a interrogação: porque alguns profissionais da educação perdem a paixão por sua profissão? Pensando nesta questão um tanto complexa, é que elaborei – mesmo que equivocadamente – três possíveis hipóteses, que prefiro chamar de pilares para que ocorra esta falta de compromisso com a educação, pois paixão é envolvimento com o outro, responsabilidade e desejo. O sujeito apaixonado é antes de tudo um utópico, acredita na felicidade, em uma vida melhor e mais digna. A morte das utopias contemporâneas são demonstrações do progresso em que os homens se encontram e, ao mesmo tempo, o seu regresso diante de uma sociedade competitiva. É necessário resgatar as utopias e acreditar na possibilidade de desenvolvermos um mundo melhor. O mestre e humanista Paulo Freire acreditava em uma revolução através da educação; acredito que este é o caminho a ser seguido, mesmo que este caminho seja repleto de espinhos. A ausência de paixão em relação à educação é causada pelo paradigma mantido através do sistema educacional que valoriza mais quantidade do que qualidade. Romper com este paradigma é uma obrigação política, social e cultural de toda a nação brasileira. 

     A razão que causa a perda da paixão dos profissionais da educação é sustentada em três pilares: desvalorização econômica, desvalorização social e desvalorização política.

      O primeiro pilar, a desvalorização econômica é responsável pela exaustão em que são submetidos à grande maioria dos educadores, muitos chegam a trabalhar sessenta horas semanais, como cita o professor Hamilton Werneck autor do livro Tornei-me pessoa: “Os professores não têm, na verdade tempo para ensinar” (p.12). Ora, se os professores não têm tempo para ensinar, imagine tempo para aprender. A insana corrida exigida pelo capitalismo obriga professores a encararem uma jornada de trabalho muito maior do que deveriam enfrentar. No mundo capitalista a questão econômica é um símbolo de status, levando ao desrespeito e falta de dignidade para as classes menos favorecidas. Não valorizar os profissionais de educação é desmoralizá-los diante da sociedade, pois o respeito e admiração (principalmente por parte dos educandos) acabam sendo decrépito instantâneo. Esta desvalorização cria uma falta de expectativa em relação à profissão de educador, causando certo tormento, mesmo que ingênuo, interrogar-se: será uma profissão extinta no futuro? 

   O segundo pilar é a desvalorização social, que está intrínseca ao primeiro pilar. O professor desvalorizado economicamente passa a perder credibilidade na sociedade. Quantos professores já sofreram agressões físicas e orais em seu ambiente de trabalho? Isto é reflexo do prestígio e respeito que o profissional da educação está perdendo. No artigo Professor: história de medos e ousadias, publicado na Revista de Educação AEC, número 143, a Doutora em Sociologia Célia Maria Costa alerta que “a violência, as drogas, o desemprego, o predomínio de uma educação bancária, a questão salarial, a falta de condições de trabalhos são alguns dos medos dos docentes” (p. 38). Conclusão: os professores são reféns dos males causados pela sociedade e, consequentemente, do sistema capitalista. 

   Finalmente, o terceiro e último pilar, é a desvalorização política. Este pilar é de exclusiva responsabilidade de alguns professores que acabam esquecendo (ou não têm conhecimentos) do seu poder político. Muitos professores em véspera de eleição acabam vendendo-se a políticos em troca de pequenos favores. Sendo a educação uma arte política, os professores têm por obrigação usar a sua influencia política para desmistificar as falsas verdades imposta pela classe dominante e ajudar na conscientização e não pensar apenas em si próprio. Tornar-se fantoche nas mãos de políticos é não acreditar na profissão de educador, é auto desvalorização. O professor fantoche-político é responsável por contribuir para a morte das utopias, é culpado na manutenção da decadência dolorosa da educação pública e da sua profissão. Vive a inércia dialética que rasteja a décadas na educação do Brasil. Os professores que perderam a paixão pela educação, precisam com urgência aprender a amar, pois, com o fim da paixão só resta a dor ou o surgimento do amor, como dizia o poeta Renato Russo “é preciso amar…” Sendo que o professor que optar pelo amor, fará a diferença no processo educativo e na construção de uma nova sociedade. Mas amor com valorização. Só posso amar alguém quando sou valorizado e amado. Será que nossos representantes – vereadores, prefeitos, deputados, senadores, governadores, presidentes – não percebem? Ou fingem que não sabem? Valorizar o professor é desenvolver um novo Brasil! Valorizar o professor é respeitar a sociedade! Valorizar o professor é uma obrigação!




¹ Escrevi este texto a três anos atrás. Acabei encontrando ele no Blog "História com Farinha" do Professor Jonas Ojuara. Penso que continua tão atual quanto outrora.

jonasojuara.wordpress.com/2013/06/

terça-feira, 11 de outubro de 2016

20 anos sem Renato Russo

(Luciano Roberto)

Renato Russo: vinte anos sem o poeta

     Você que tem idade acima de 35 anos, se lembra o que fazia exatamente a 20 anos atrás, mas precisamente no dia 11 de outubro de 1996? Eu lembro. Andei de patins durante a manhã e a tarde fui para Escola Municipal Júlia Barjona Labre, onde estudava, localizada no bairro São José Operário, Zona Leste de Manaus. Na escola, ocorreram os dois primeiros tempos de Língua Portuguesa e  o terceiro de Matemática.

   Cursava a 8ª série na turma "C". Último ano do Primeiro Grau. Era assim que chamávamos o Ensino Fundamental II.  Finalmente tivemos a hora do recreio.

     O "grude" - era como alguns colegas chamavam a merenda da escola - até que era bom. Foi neste momento que apareceu a Hebe, aluna novata na escola que facilmente se entrosou conosco. Era branquinha, com um nível de atitude fora de sério. Além do mais, era uma gata! Ela trazia consigo um cigarro. Ficávamos atrás da escola, batendo papo, paquerando e fumando.

     Hebe trouxe a notícia. "Vocês já sabem?". A pergunta flutuou por um instante em nossas mentes sarnentas por conhecimento. "Sabem o quê?". Quase todos que estavam presentes falaram ao mesmo tempo. Foi então que a Hebe disparou a notícia: "Renato Russo morreu!". Caracas! Puta que pariu! Ficamos intactos, era papo, não era verdade. Renato Russo não havia morrido, mas morreu.

     Em 1996, vivíamos a década da cultura inútil. A "bundalização" tomou conta do país. De Norte ao Sul não tocava outra coisa na rádio a não ser "É o than". Outra banda que começou a fazer um grande sucesso neste mesmo ano, foram os "Mamonas Assassinas". Com o seu jeito descontraído conquistou o Brasil.   

     Fumamos nossos cigarros em silêncio. Podíamos ouvir o canto dos pássaros, o vento soprando nossos rostos, o barulho dos ventiladores do teto empoeirados das salas vazias. Finalmente o barulho da campainha, que nos avisava o fim  do recreio.

     Retornamos para a sala de aula. Ficamos esperando amarguradamente o  termino do dia letivo. 

     Ao sair da Escola Municipal Júlia Barjona Labre, fomos até ao Bar do Sally. Famoso bar de encontro de adolescentes e jovens que curtiam rock n' roll. Lá encontrei vários amigos, todos lamentando a morte do poeta. Renato Russo morreu e deixou sua obra prima para todo sempre: a música. 

    O bom e velho rock n´roll nacional, havia ficado mais uma vez órfão.



segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Porra é com "dois r" professor?*

(Luciano Roberto)

     

    Detesto levar meus alunos para enfrentarem a direção da escola. São poucas as vezes que levei algum aluno problemático para que houvesse interferência do(a) pedagogo(a) neste meus dezesseis anos de magistério.
     
     Na minha opinião, o professor que leva o seu aluno para as mãos da direção da escola, acaba sem perceber, criando provas contra a sua falta de perspicaz em solucionar seus próprios problemas em sala de aula. Claro que há casos e casos! 

     Guardo em minha memória um desses casos. Seu nome: Rogério.
     
   O Rogério era um garoto com faixa etária acima dos demais alunos do 3º Ano do Ensino Fundamental da  Escola Municipal Roberto dos Santos Vieira. Tinha 10 anos, enquanto que os demais alunos tinham 8 anos de idade. Parecia ter saído das estórias em quadrinhos do incrível cartunista Maurício de Sousa.

     Certamente que todos já ouviram falar do Cascão. Criança esperta, amigo fiel do Cebolinha, nos momentos bons e nos momentos de coelhadas, que não gosta de tomar banho. Pois bem, o Cascão perto do Rogério era limpíssimo.

     O Rogério morava com seu avô. Um senhor de idade avançada que tinha como sustento, produzir carvão. Morava numa casinha bem humilde de palafita. O piso era de barro batido. O banheiro ficava no quintal, tinha paredes de palha, um enorme buraco, sobre a fossa algumas tábuas. Literalmente poderia se defecar e ouvir o barulho das fezes ao tocar no fundo do poço.

     Havia também o vira-lata "Olho fundo". O cão era tão magro que mal se aguentava em pé. Vivia nos braços do Rogério. Dormia no colchão encardido com o menino. Os dois eram como unha e carne, quase não se largavam. Rogério ia para escola, Olho fundo ficava esperando no portão.

     Na sala de aula, o odor se espalhava, ou seria melhor, o fedor? Era uma mistura de cheiro de urina mais cachorro molhado e um bocado de coisas a mais que ninguém conseguia identificar. As outras crianças se afastavam do Rogério. Ele ficava triste, eu também. Centenas de vezes alertei o Rogério do seu problema. Falava para o avô. Mas não adiantava, quando era noutro dia, lá chegava o Rogério com seu cheiro inconfundível.

     Certa vez fiquei irritado. Não dava para suportar o cheiro ruim do Rogério. Então fiz a primeira de tantas outra bobagens que acabamos fazendo ao longo da trajetória docente: gritei com ele e chamei de "menino porquinho". Para piorar, a classe toda sorriu. E repetia:

     __Menino porquinho! Menino porquinho!...

     Ordenei que a turma parassem de repetir aquelas palavras. Enquanto falava com os alunos, o Rogério escreveu a palavra "PORRA" bem grande e nítida no braço da sua carteira. Olhei para ele e perguntei:
     
     __O que é isso rapazinho? Com o tom de voz áspera.

     Rogério respondeu com outra pergunta:
     
     __ Porra é com "dois r" professor?

     Foi a gota d'água. Peguei no braço do Rogério e levei ele para a diretoria. Estava farto!

     Naquele dia saí da escola exausto. O turno era matutino e eu deveria seguir para outra escola no vespertino. Não fui. Peguei o ônibus e fui direto para casa. Antes de chegar em casa, parei no bar do Seu Renato e tomei um porre. Talvez um dos piores porres que já tenha tomado.

     O remorso havia invadido a minha alma. O Rogério era analfabeto, e a primeira palavra que ele havia escrito corretamente, em vez de receber um elogio, foi castigado.

     Poderia ter feito assim pensei durante a minha embriaguez:

     __Muito bem Rogério, a palavra "PORRA" é escrita com "dois erres". Mas ela não pode ser dita por um menino bacana como você... ou poderia ter dito... não sei...

     No outro dia fui para escola, ia resolver tudo com o Rogério, mas ele não estava na fila com os demais alunos. Entramos na sala, todos sentaram-se. Dirigi-me até a sua carteira. Estava vazia, e sobre o braço dela, estava escrito "PORRA", corretamente com os "dois r". 


*A história acima é uma ficção com algumas doses de realidade.

     

   
A poesia no cotidiano do sujeito histórico


     A poesia sofreu um grande impacto nas últimas décadas. Foi ao pouco sendo esquecida, vista apenas nos suspiros de alguns utópicos apaixonados. Mas a poesia não deve ser abandonada completamente. Ela é uma ferramenta poderosa que pode ser utilizada por educadores em sala de aula.

     Foi com esta ideia na mente, que levei a poesia para a turma do 9º Ano 01, do Ensino Fundamental da Escola Estadual Gilberto Mestrinho em 2015. Um ano depois, sem querer, mexendo em meus arquivos, acabei encontrando elas hoje. Então, achei por bem socializar.

     São temas contemporâneos, que falam de luta, medo, tristeza e sofrimento. Claro que a poesia abrangem a todos esses sentimentos humanos, sem esquecer a paixão, o amor, desejos etc.  

   Os alunos escolheram uma temática que destacava a desigualdade social adolescente/juvenil e passaram então a produzir suas poesias. Elas foram declamadas através da realização de uma performance para os demais alunos da escola.

     A poesia crítica, que denuncia as mazelas deste mundo. Falando da vida e dos sujeitos históricos, que encontramos nos sinais, nas feiras, nas ruas... Sem expectativas, sem direito a sonhar.

     Destaco algumas delas agora.         

Flanelinha
(Diego Fernando)

Mim olho no vidro, no vidro do carro.
Tenho em minhas mãos um spray e um cabo.

Da vida ganho chute e tapinha,
O meu trabalho é de flanelinha.

Eu vejo pessoas por mim passando.
Olho o dia e já está acabando.

Ricos e humildes é assim...
Queria essa vida, quando eu chegar ao fim.

Mas disso não mais exijo
Dos meus sonhos eu até desisto.

O sinal vermelho abre
E para a calçada eu vou.

A noite tristonha chega
E sol quente já passou.


Juntar Latinha
(Diego Fernando)

O meu alarme soa,
Meu dia não começa a toa.
Mim levanto para trabalhar
Minha família “preciso” alimentar.

De bom não como nada
Mas eu gosto de sardinha
Minha sandália esta acabada
Ganho a vida catando latinha.

Todo dia é assim,
Então não é o fim.
Na vida, não dou gemido
E é assim que sobrevivo.

  
Vender Salgados
(Itamar Azevedo e Matheus Silva)

Crianças passam na rua e gritam:
“Salgado! Salgado!
Comprem, estou necessitado,
Pois, os meus pais estão desempregados.

De manhã cedo acordo,
Começo a enrolar a massa
E penso como o meu dia será?
Lembro que mais um dia vão me explorar.

Desde que me entendo por gente
Começaram a me explorar
Desde cedo,
O brilho quente do sol bate no olhar
E penso, sou apenas uma criança imaginando
A ser livre para sonhar.


Servente de pedreiro
 (Diego Fernando)
Tijolos carregam
Areia peneiram
Concreto farão
Pois serventes eles são.

Medindo a parede
Trena na mão
Maceira no chão
Plumo de enfeite na mão.

Escola eles faltam
Para fazer lajes altas
Poderia estudar
Mas é obrigado a trabalhar.


Malabarismo da vida
 (Sophia Leão)
O sinal vermelho fechou
O trânsito parou
Francisco pegou suas laranjas
E malabarismo realizou.

O condutor olhou
Fez cara de quem não gostou
Levantou o vidro do carro
E se isolou.

Francisco na rua ficou
Recebeu cinquenta centavos
Do condutor
Que estava atrás
Do primeiro condutor.

O sinal verde abriu
Francisco da rua sumiu
O futuro do Brasil
Sentado na sarjeta
chorou.