sábado, 31 de dezembro de 2016

2016: o ano que entra para história com gosto amargo

(Luciano Roberto)

Adeus 2016, seja bem-vindo 2017!

É interessante o poder do calendário, em especial, o nosso gregoriano. Possui 12 meses, e neste ano, foram 366 dias. O tempo passou rápido, 2016 chegou ao fim, surge o Ano Novo, e com ele renovam-se sonhos e esperanças.

Finalmente 2016 terminou! Terminou e deixou um gosto amargo na nossa frágil democracia. Terminou e nos mostrou que tudo é possível, até mesmo usurpar o cargo mais importante do Brasil, como foi tirado da Presidente Dilma Rousseff. Quase 54 milhões de brasileiros que deram mais um voto de confiança para Dilma, assistiram bestializados [outra vez!], pela televisão como se realiza um golpe de Estado, branco, limpo, sem sangue, apenas muita covardia e corrupção.

É impossível esquecer as palavras dos ilustres Deputados Federais no momento em que votaram pelo impeachment: “Por amor a minha esposa, aos meus filhos, aos meus cachorros, aos torturadores da Ditadura civil-militar... eu voto SIM”!

Foi o “sim” da hipocrisia que traiu nossa democracia. Eduardo Cunha presidiu e assistiu tudo de um ângulo privilegiado. Pior, o golpe trouxe um presidente “pinguela” – ponte rústica com paus ou improvisada com troncos – apelido que o TEMERoso recebeu do ex-presidente tucano Fernando Henrique Cardoso.

A suposta proposta, “Ponte para o Futuro”, tornou-se uma delicada pinguela que o povo brasileiro terá que atravessar nos próximos 20 anos. A tendência é a pinguela quebrar, já que temos hoje o número triste de 12 milhões de brasileiros desempregados.

Nos últimos meses do governo TEMERoso, não vi uma única decisão, uma única fala, um único gesto que pudesse comentar: “Poxa, bacana a decisão do presidente!” Nada... Nadinha mesmo! Não torço para que governo TEMERoso seja medíocre, muito pelo contrário, torço para ele reencontrar o caminho político/econômico para o Brasil voltar a crescer. Mas o TEMERoso é apolítico, pelo menos no sentido de realizar soluções produtivas para o povo brasileiro. Quais soluções? Emprego, carteira de trabalho assinada e dignidade!

Como golpista, TEMERoso foi excelente! Tenho a sensação que é mais fácil provocar um golpe num Estado democrático do que governar para o povo. Não governar para o neoliberalismo, para os empresários, os bancários e o FMI, mas para o povo brasileiro. O povo é o fim, nunca deveria ser o meio!

O ano 2016 é um ano histórico. É o ano onde a primeira mulher reeleita democraticamente para ser presidente do Brasil sofreu injustamente um golpe! É o ano em que as classes dominantes voltaram a amordaçar os sonhos do povo. É o ano em que a extrema direita chegou ao poder, e não foi em qualquer país, mas na maior potência mundial com o “homem cor de laranja”, Donald Trump.

A insanidade solta. Iraque e Síria vivendo uma guerra sem fim. A loucura na cidade de Aleppo mostrando a crueldade humana. O ano 2016 é histórico, tem sabor de golpe, tem sangue, tem guerra e não tem final feliz. Ainda bem que terminou.

Restou-nos renovarmos a esperança em 2017!

É preciso...

domingo, 25 de dezembro de 2016

A barba do Papai Noel (Capítulo final)

(Luciano Roberto)

Um corpo estendido no chão e uma ceia de Natal
(Capítulo 6 )

FELIZ NATAL!

Enoque chegava às 16 horas. Merendava, trocava  de roupa. Tornava-se o Papai Noel. No banheiro colocou no pescoço a gravata adaptada para arma, assim como a barba branca, tudo estava tranquilo. Caminhou nos corredores do shopping, andando com um enorme saco vermelho e um sino. Saiu em busca de atrair a atenção das crianças. Andou por todo o shopping, finalmente, sentou-se na poltrona vermelha.

Pais acompanhados dos seus filhos começaram aproximar-se do bom velhinho, a fila estava se formando.

Enquanto Enoque trabalhava, Mariáh estava em casa. Colocou uma música romântica para tocar. Lembrou dos momentos bons que passou com o seu professor em São Gabriel da Cachoeira. Sentiu um peso na consciência quando lembrou da imagem do rapaz de Barcelos. Não tinha o menor interesse por Enoque, ou tinha? Estava confusa, tinha envolvido ele em um plano que seria colocado em prática dali a poucas horas. Estava apenas usando o rapaz? Sentia culpa, mas pensava que também foi usada. Estava criando uma corrente do mal, onde ninguém realmente se importava com o próximo.

Tudo isso estava acontecendo próximo ao Natal.  Maráh odiava o Natal. Foi na véspera do Natal que seu pai foi atropelado por um caminhão guiado por um condutor bêbado. O acidente foi tão violento que era quase impossível reconhecer o corpo no chão. Via sua mãe gritando desesperada, pedindo ajuda dos vizinhos e pessoas que passavam na rua. O motorista fugiu, pagou fiança e continuava em liberdade. Odiava o Natal.

Lembrou-se quando conheceu o Professor Dr. Joed Silva, fazia poucos meses que seu pai havia falecido. Ficou intrigada com o jeito sedutor e carinhoso do professor. A imagem daquele homem em pé, na sala de aula falando com paixão sobre Arqueologia, lembrava seu pai. Sentiu enorme felicidade quando o professor tinha selecionado ela para orientar no seu trabalho de dissertação. Se apaixonou.    

Passou a refletir sobre sua própria vida, como estava feliz, como tinha dado orgulho a sua mãe e família. Mas havia uma ferida dolorida que ainda não havia sido curada, a falta do seu pai. Ora, o plano estava feito, não voltaria atrás, doa a quem doer.

Professor Dr. Joed Silva estava inquieto. Em sua sala não conseguia se concentrar para ler as pesquisas dos seus alunos. Já era mais ou menos 18hs. Ficou sozinho, a UFAM estava vazia. “Amanhã é véspera de Natal”, pensou Joed. “Merda de Natal!”. Terminou seu pensamento.

O professor levantou-se da sua mesa, pegou algum livro, acendeu um cigarro e foi  em direção ao seu carro. Parou no “Bar do Cabelo”, no bairro Coroado, próximo da UFAM. Bar bastante frequentado por estudantes e professores universitários. Pediu uma cerveja de um litro. Foi atendido, pelo proprietário, o Cabelo. Trocou algumas palavras, acendeu mais um cigarro. Começou a beber. Bebeu três cervejas,  levou quase uma hora para beber cada uma, não estava porre, mas sabia que a cerveja lhe dava coragem, ou sensação de coragem. Pagou a conta do bar, entrou no carro e foi para o Shopping Puai.

Chegou exatamente no horário marcado. Passou em frente ao Papai Noel que estava dando atenção as crianças. Foi andando para próximo dos janelões de vidro que dava para ver todo o movimento da Avenida Grande Circular. Pediu uma porção de salgado com recheio de pirarucu e uma cerveja. Esperou Mariáh.

No meio da Praça de Alimentação, um cantor se posicionava para cantar. Tocou as cordas do violão, estava afinado. Dedilhou. Começou a cantar.

“Porto de lenha tu nunca serás Liverpool, com a cara sarnenta e olhos azuis”...

Os dedos de Joed começaram a bater na mesa, acompanhando o ritmo da música. Quando percebeu que vinha em sua direção Mariáh, estava linda, maquiagem ousada, vestido estilo couro preto brilhante, uma blusa branca, que permitia ver seus seios, já que não usava sutiã. Cabelo solto, sobre as costas.

Enoque viu Mariáh indo em direção ao homem que acompanhava ela naquela viagem, quando vinha de Barcelos. Seus pensamentos fizeram ele deixar por uns poucos momentos o personagem Papai Noel. O plano de vingança era estúpido, começou a fraquejar, mas já não podia.

A ideia que Mariáh apresentou ao Enoque no dia do almoço na Feira do Produtor era simples. Levar o professor até o shopping, ela se vestiria como ele gostava, provocaria o máximo possível o Dr. Joed. Enquanto isso, o tempo do trabalho de Enoque terminava. Ao terminar, Enoque fantasiado de Papai Noel caminhava até a mesa onde estava o professor e Mariáh. Diria o seguinte:

__“Ho! Ho! Ho! Boa Noite belo casal”. Enoque beijaria Mariáh na sua frente, e ambos iriam embora.

__ “Perdeu a garota para o Papai Noel seu cuzão”. Enoque diria a última frase. A arma que tinha sido um presente do pai da Mariáh, não servia para nada. Era apenas uma espécie de peso para papel. Mas caso o professor Dr. Joed Silva, tentasse alguma reação, Enoque tiraria debaixo da barba do Papai Noel, apenas para amedrontar. Era um plano infantil, ambos sabiam.          

Mariáh se aproximou, sorriu, um estouro, um tiro surgiu do nada. Professor Dr. Joed gritou: “Mariáh!”. O tiro havia atingido o professor. O livro caiu no chão, assim como o seu corpo. As pessoas que estavam próximas entraram em desespero. Corriam sem rumo. Enoque tentou se aproximar do corpo da vítima, mas os seguranças não permitiram.

“Mariáh  matou o professor!” Pensou Enoque, o plano era muito tolo, Mariáh queria vingança.

Enoque foi ao banheiro dos funcionários, tirou a roupa, a maquiagem, guardou tudo em seu armário, inclusive a arma inútil. Voltou para a Praça de Alimentação. No meio da confusão não tinha percebido o rombo na janela de vidro do shopping. O professor Dr. Joed Silva, tinha sido vítima de uma bala perdida. O tiro acertou suas costas, perfurando um dos pulmões e atingindo o coração.

Seu corpo estava flutuando em seu sangue. Mariáh correu ao encontro do seu mestre. De joelhos, chorando sem parar, a garota que Enoque começou a amar. Uma dúvida surgiu ao observar aquela cena: seu amor seria correspondido ou foi apenas usado, como ela tinha sido usada pelo seu professor orientador?

...

__ “Papai’!”

O som familiar entrava tão rápido na biblioteca desorganizada, quanto a pessoa que chamava. Era Isamara. Filha caçula, de apenas seis anos de idade do Professor Dr. Joed Silva.

Continuou Isamara:

__ “A mamãe tá vermelha de tanta raiva, os convidados estão chegando para a ceia de Natal e o senhor não para de escrever. Poxa papai, pare de escrever!”

__ “Terminei filha”...

__ “A vovó também tá chateada com o senhor e o vovô. O vovô já começou a beber aquele vinho que o senhor comprou. A mamãe mandou avisar que se ela vier até aqui, o senhor vai ouvir umas poucas e boas. Ela vai fazer o senhor passar vergonha na frente de toda a família”. Resmungou Isamara.

__ “Tá bom princesa do papai, vamos lá!”

Joed ajeitou os óculos no rosto, levantou da cadeira, respirou fundo e sorriu.

__ “Papai, sobre o que o senhor estava escrevendo. Era trabalho da universidade?” Perguntou Isamara, uma menina muito curiosa.

__ “Não filha, estava escrevendo sobre uma moça complicada chamada Mariáh, um jovem ingênuo cheio de paixão chamado Enoque e a Barba do Papai Noel”.

A menina olhou para o pai, não entendeu nada. Os dois saíram da biblioteca do professor. Foram até a sala de visita onde estavam amigos e familiares unidos para comemorar o Nascimento de Jesus Cristo.

Quando o professor Dr. Joed Silva apareceu, todos gritaram:

__ “FELIZ NATAL”! 

E festejaram aquele dia em harmonia, como centenas e milhares de famílias em todo Brasil.

Mariáh e Enoque eram apenas personagens criados pela imaginação do professor.


FIM



Nota do Autor:

Para você que nos acompanhou até aqui, agradeço e espero que tenha gostado. Como citei, sei das minhas limitações sintaxe e morfológica, mas nem por isso vou deixar de fazer algo que amo, que é escrever. Agora vou dá um tempo e ler! Feliz Natal e um Próspero Ano Novo! Que Deus na sua infinita bondade, possa  sempre nos guiar. Que assim seja.  Amém! 

sábado, 24 de dezembro de 2016

A barba do Papai Noel (Capítulo 5)

(Luciano Roberto)

Chantageando o doutor
 (Capítulo 5)


Professor Dr. Joed Silva

Nos dias seguintes, Mariáh acompanhou Enoque até o seu trabalho. Pesquisaram, observavam as pessoas que frequentavam o shopping. Estavam preparados, faltava apenas atrair o Professor Dr. Joed Silva.

Uma das maneiras de chamar a atenção do professor, não seria outro, senão através de chantagem. Mariáh tinha uma infinidade de imagens com o Dr. Joed, ela estava disposta a expor para a família do professor e na própria universidade. Mariáh ligou.

__ “Oi, quem fala?” Atendeu ao telefone o professor Joed.

__ “Mal apareceu uma aluninha nova e você simplesmente me excluiu do seu mundo meu caro Orientador”.

__ “Oi Mariáh, tentei falar com você, mas estou verificando vários trabalhos, inclusive o seu”...

__ “Deixa de papo Joed, eu vi você com aquela aluna novata no teu escritório, quero conversar contigo pessoalmente”...

__”Vem aqui na UFAM”.

__ “Não, vamos nos encontrar a noite no Shopping Puai, às 20 horas, hoje. Não falte, se você faltar vou te ferrar, ou você esqueceu as imagens íntimas que fazíamos juntos? Tem uma aqui, muito interessante: você vestido com a minha calcinha de renda preta. Lembra”?

Mariáh desligou o celular, e postou no WhatsApp do professor algumas imagens comprometedoras. Imediatamente o celular dela tocou. Era o Dr. Joed.

__ “Sua idiota, o que você quer? Você sempre soube que o nosso caso era apenas uma curtição, nada sério. Sempre deixei claro isso para você. Por que age como uma maluca, ficou louca? Assim como te ajudei academicamente, posso te destruir”.

__ “Dane-se! Ou você aparece hoje no shopping, ou amanhã todos saberão quem é o tarado do Professor Dr. Joed Silva.

Desligou o celular, tirou o chip. Estava diante de Enoque. Pegou a gravata borboleta, que tinha feito um local perfeito para colocar a pequena arma. Colocou a barba do Papai Noel, branca, longa e  cheia. Não dava para perceber que embaixo daquela barba falsa, havia uma arma de fogo. A gola branca da roupa, como era espessa, ajudava a camuflar ainda mais a arma.

Mariáh olhou para Enoque, mostrando que agora não tinha mais volta. Talvez a juventude não permitisse perceber a loucura que estavam prestes a realizar. Nada mais importava. Enoque estava seduzido pelo fogo ardente da paixão, já Mariáh, sentia a sanidade da vingança tomar toda a sua razão.

Naquele dia, um dia antes do Natal, fizeram amor mais uma vez na cama de solteiro de Enoque. Despediram-se. Decidiram que se encontrariam apenas a noite no shopping.

Enoque ficou deitado na cama. Lembrou-se do seu tempo de menino em Barcelos. Adorava pescar com o seu velho pai. Nunca se esquecera das histórias que seu pai contava: Curupira, Boto, Cobra Grande entre outras. Ficou lembrando cada uma delas, até que adormeceu.

Mariáh pegou um ônibus. Finalmente depois de passar três noites fora, voltava para casa. Morava apenas com a mãe. O pai tinha morrido alguns anos atrás, acidente de carro. Mariáh sempre foi estimulada a viver a liberdade, a viver a vida, mas com responsabilidade. Vinha agora uma frase que viu seu pai falar, em uma reunião de família.

__ “A vida é muito curta para se viver sofrendo”. Seu pai certamente não estava orgulhoso com as últimas ações da filha, Mariáh estava decidida.

Uma leve chuva começou a cair. O céu da Zona Leste de Manaus ficou cinzento, tudo parecia está em sintonia. Estava fazendo um frio bom.

Poderia desistir do plano idiota e infantil, mas queria que Joed sentisse o mesmo que ela estava sentido.

Queria vingança!

(Continua...)

sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

A barba do Papai Noel (Capítulo 4)

(Luciano Roberto)

Xeque-mate ou “xeque e mate”?
(Capítulo 4)

Arma RUGER LCP

Mariáh abriu os olhos. Não reconhecia a camisa que vestia e tão pouco o ambiente rústico onde estava. Tinha sede. Percebeu que havia uma garrafa pet com água gelada. O gelo havia derretido ao longo da noite. Viu o rapaz sentado adormecido em frente dela.

O quarto onde estava era um lugar humilde, mas limpo. Na parede uma cópia do período renascentista “A Última Ceia”, que foi pintado pelo italiano Leonardo Da Vinci. Será que o rapaz sabia quem era o autor daquela obra? Não havia objetos mobiliários, apenas uma mala no canto do quarto. Uma corda cortava o quarto no meio, sobre ela, algumas peças de roupa. Mariáh chamou o rapaz:

__“Enoque”...

Enoque abriu os olhos lentamente, parecia que estava tendo um sonho muito bom. Não sentiu vergonha ou culpa do lugar onde morava, apenas respondeu.

__ “Oi Mariah!”

Tiveram o seguinte diálogo:

__ “Aconteceu alguma coisa entre nós dois Enoque, eu... eu... não lembro de nada”.

__ “Não aconteceu, você exagerou na cerveja, tomou duas “torres de cerveja” sozinha ontem no shopping. Queria ir para uma festa aqui, no Jorge Teixeira”...

Antes que Enoque terminasse a sua fala, foi interrompido com um pedido de Mariáh.

__ “Venha para a cama, então”...

Enoque foi para cama, pegou nos cabelos longos de Mariáh, sentiu o cheiro da sua pele, beijou seus lábios vagarosamente. Seu corpo tremia. Tirou a velha camisa do Atlético  Rio Negro Clube, beijou cada um dos seus seios, lentamente desceu até ao seu umbigo. Tirou a bermuda, ficaram nus. Seus corpos se entrelaçavam, percebendo que um desejava o outro, apenas pequenos murmúrios, corações sentiam-se próximos um do outro, não havia mais nada, apenas o desejo, o sexo. Seus órgãos sexuais se contraiam. Chegaram ao orgasmo juntos, queriam gritar, mas mantiveram seus impulsos juvenis. Deitaram, beijaram-se, esperaram algum tempo e repetiram tudo novamente.

Desde que Mariáh começou um relacionamento com seu professor orientador, nunca mais tinha tido um orgasmo verdadeiro, sem necessidade de drogas. Sentiu seu corpo flutuar como as nuvens nos braços de Enoque. Os lábios quentes, a pulsação forte, o desejo verdadeiro.

Finalmente dormiram abraçados. Acordaram mais ou menos às 11 horas. Tomaram banho, saíram, foram para um restaurante barato na Feira do Produtor. Local central da Zona Leste de Manaus. Almoçaram. Mariáh começou a falar da sua vida, assim como Enoque.

A conversa chegou ao Professor Dr. Joed Silva. O papo começou pela Mariáh.

__ “Lembra-se daquele cara que estava comigo no dia da viagem que nós fizemos, vindo de Barcelos”?

__ “Lembro, foi naquela viagem que o destino me levou a você”... Respondeu Enoque.

__ “Ele é meu orientador no Programa de Mestrado em Arqueologia que eu faço na UFAM. Nós tínhamos um caso, já faz quase três anos. Mas ele apenas me usou, não passei de uma cadela, uma marionete nas mãos dele. Ontem eu estava com tanto ódio que seria capaz de matá-lo. Ele tem que pagar o que fez comigo. Eu não sou um objeto, que pode ser usado e depois descartado, sou um ser humano. Tenho sentimentos. Ele tem que pagar. Apesar de mal te conhecer, sinto que posso confiar em você. Enoque você me ajuda? Eu tenho um plano”.

Segurando as suas mãos Enoque perguntou:

__ “Mas, mas... que plano”?

__ “Vou fazer ele ir até o shopping onde você trabalha, quase no horário em que você deixa de interpretar o Papai Noel. Vou até o encontro dele, e lá vou dá xeque-mate naquele merda, cheio de vaidade. Ele vai se arrepender”.

__ “Mariáh eu posso ser prejudicado, e mal comecei a trabalhar no shopping”.

__ “Não te preocupa, tem muita gente nestes dias de Natal no shopping, ninguém vai perceber. Vamos estudar cada detalhe, ele vai ter que pagar”.

__ “Mas se ele vier para cima Mariá?” Enoque estava tenso com aquela conversa.

__ “Eu tenho uma arma pequenina, é de defesa, foi do meu pai. Ele me deu já faz algum tempo”.

__ “Onde vou colocar esta arma? Não posso colocar na cintura, nem no saco do Papai Noel... e as crianças?”

__ “Bem... coloca a arma embaixo da barba do Papai Noel. Vou transformar uma gravata borboleta numa espécie de recipiente para colocar a arma”.

A paixão quando acaba bruscamente, torna-se ódio. Mariáh certamente nunca amou seu professor orientador. Vivia o êxtase de fazer parte de um mundo que ela desejava para si, o mundo intelectual acadêmico. Mas aprendeu a odiar imediatamente, quando se sentiu usada e humilhada.

Em frente aqueles dois jovens, os garçons competiam entre si, na busca de mais fregueses. Nos restaurantes de comida farta e barata da feira, uma grande quantidade de churrasco. Carne de todos os jeitos e sabores. O cheiro delas corriam pela Feira do Produtor, junto com o vento que levava e trazia seus odores. Se Mariáh queria dá um xeque-mate no Professor Dr. Joed Silva, seria então Enoque apenas um pião no jogo de vingança da moça dos cabelos negros e lábios com sabor de açaí?

Um plano de vingança estava feito, agora era preciso colocar em prática. Xeque e mate!  

(Continua...)





quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

A barba do Papai Noel (Capítulos 2 e 3)

(Luciano Roberto)

A estudante de Arqueologia e de prazer  
(Capítulo 2)

Mariáh: cabelos negros, pele cor de jambo...

Mariáh estava terminando seu trabalho de mestrado, pela Universidade Federal do Amazonas – UFAM. Sua dissertação tratava do impacto da cultura do homem branco sobre a vida dos jovens indígenas. Muitos jovens de São Gabriel da Cachoeira -município distante 852 quilômetros de Manaus - haviam cometido suicídio. O objetivo da sua pesquisa era entender os motivos que levavam estes jovens indígenas tirarem a própria vida. Falta de identidade cultural?

Desde que entrou para o Programa de Pós- Graduação em Arqueologia, MAriáh passou a se envolver com o seu orientador, o Professor Dr. Joed Silva. Era uma relação profana, onde sexo, drogas e intelectualidade se encaixavam como um quebra-cabeça do cosmo.

Só havia um problema. O professor era casado, bem conceituado no meio acadêmico, e tinha uma reputação a zelar. Mariáh era apenas uma distração para que o trabalho não se tornasse algo chato. Muitas estudantes já haviam se entregue ao charme intelectual do doutor. Mariáh era apenas mais uma. Um relacionamento livre, onde não poderia nenhum dos dois se apaixonar, ou pior, amar. Para o professor Dr. Joed Silva, isto estava muito claro. Mas, e para Mariáh?

Os encontros ocorriam principalmente quando aconteciam as pesquisas de campo. As noites nas pequenas pousadas de São Gabriel da Cachoeira eram quase infinitas. Havia todo um ritual místico.

Professor Joed, acendia incensos e velas por todo o quarto. Espalhava uma carreira de cocaína nas capas dos livros, em seguida, com uma tinta artesanal de urucum, pintava seu rosto e o de Mariáh. Tirava sua roupa lentamente, sua boca o levaria aos seios macios da jovem estudante, gritos indígenas ecoavam no quarto, um portal entre passado e presente aparecia, efeitos psicodélicos eclodiam. Guerreiros das tribos Muras e Mundurucus surgiam no quarto em uma luta com seus arcos, flechas e  brados. Tudo parecia real, orgasmo se misturava com os gritos fortes que ecoavam no quarto, até que finalmente os dois voltavam para a realidade. Deitavam-se. Mariáh adormecia nos braços do seu mestre.

Aproximando quase três anos, Mariáh viajou entre todas as escuridões que os entorpecentes poderiam permitir. O professor Dr. Joed Silva, já havia ensinado tudo o que era possível sobre arqueologia e loucura para Mariáh, apenas esqueceu de ensinar que no relacionamento intelectual, não deveria haver controle, e muito menos posse ao desejo e a liberdade do outro.

Mariáh estava preste a concluir o seu mestrado, quando viu a cena que ela não estava preparada, quase enlouqueceu. Encontrou seu professor beijando ferozmente no seu escritório, uma aluna novata. Professor Dr. Joed Silva era um mestre em seduzir belas alunas. Mariáh abriu a porta, ficou paralisada, não falou uma única palavra e se foi. Professor Dr, Joed, apenas fechou-a.

O mundo parecia ter caído sobre os ombros de Mariáh, era próximo ao natal, estava perto de concluir o mestrado. Não poderia aceitar ser apenas mais uma aluna usada. Sentiu-se mal, a tristeza tomou conta do seu espírito jovem, queria buscar refúgio. Soube de uma festa que iria ocorrer na Zona Leste, bairro Jorge Teixeira.


   

Enoque e o trabalho de Papai Noel
(Capítulo 3)

Desde que havia chegado de Barcelos, Enoque só tinha conseguido “bicos”. Foi auxiliar de pedreiro, jardineiro e vendedor ambulante. Foi a noite, quando Papagaio trouxe uma novidade. Surgiu uma oportunidade para trabalhar vestido de  Papai Noel no Shopping Puai. Ganhava R$100,00 a diária. Uma moleza. Tinha apenas que ficar fantasiado, enrolando as crianças e fazendo os pais gastarem. Além do mais, tinha direito a merenda e passava o resto do dia sentado numa grande e confortável poltrona.

Papagaio conhecia o “QI” – quem indica – para função. Enoque não era gordo, mas com enchimento na roupa, ficaria muito bem. Enoque aceitou. No dia seguinte, estava às 4 horas no shopping. Foi imediatamente contratado.

Antes de começar a função, foi merendar. Um hambúrguer com refrigerante Baré.  Sentou-se na mesa próxima a poltrona onde ficaria até mais ou menos às 22 horas, dependendo da quantidade de pessoas que estavam no shopping. Deu a primeira mordida no sanduíche, quase se entalou, quando viu a mesma moça que tinha viajado no barco “Esperança”, na sua vinda para Manaus. Era Mariáh.

Em cima da mesa da moça, uma “torre” de cerveja, alguns livros, e uma tristeza no olhar. Enoque engoliu o pedaço de hambúrguer, criou coragem, tinha uns dez minutos para terminar o lanche, foi ao encontro da moça.

__“Olá, como vai?” Perguntou Enoque, mas não esperava que Mariáh pudesse lhe reconhecer, além do mais, já estava vestido com a roupa do Papai Noel.

__“Cai fora Papai Noel, não estou a fim de falar com ninguém”. Respondeu Mariáh.

__“Espere... Você talvez não lembre de mim, mas nos últimos seis meses, não teve uma única noite que eu não sonhei com você”... Insistiu Enoque.

__“Quem é você?”. A situação agora estava investida. Enoque conseguiu a atenção da moça que continuava em seus pensamentos.

__“Eu sou o rapaz que veio no mesmo barco que você. Eu vim de Barcelos, ajudei você com suas mochilas, e... fiquei apaixonado. Lembra que eu falei bem baixinho que você é linda”.    

Mariáh abriu um sorriso nos lábios, talvez estivesse precisando ouvir aquelas palavras. Sabia que em pouco tempo não iria fazer mais parte do mundo do seu professor orientador. Fez mais uma pergunta.

__“Como é o seu nome?”

__“Meu nome Mariáh, é Enoque.”

__“Você lembra do meu nome?” Questionou mais uma vez a garota.

__“O vento me ensinou o seu nome, nunca mais esqueci. Todas as noites eu sonho com você!”.

Enoque percebeu que a moça sofreu um impacto, devido ao fato dele lembrar o nome dela, sentou-se na mesa, e passou a puxar assunto. Mas antes que pudesse falar mais uma palavra, escutou a ordem de um segurança do shopping.

__“Ei Papai Noel, está na hora de você assumir a poltrona!”

__“Tenho que ir trabalhar agora, poxa, queria tanto conversar mais um pouco com você!”. Falou Enoque.

__“Que horas você vai sair?”. Interrogou Mariáh.

__“Saio às 22 horas, lamento”... Enoque foi saindo lentamente da mesa, quando também foi surpreendido.

__“Enoque eu não tenho pressa, além do mais, tem esta “torre de cerveja” e este livro para eu ler, vou te esperar”. Falou Mariáh.

Enoque fantasiado de Papai Noel, começou a falar bem alto “Ho! Ho! Ho!”, tocando o sino. “Feliz Natal para todos!”.

As crianças começaram a chegar, assim como os seus pais. Enoque estava nervoso, mas se sentia seguro toda vez que olhava para Mariáh e recebia um sorriso. O tempo foi passando. Na segunda “torre de cerveja”, Mariáh levantou-se quase cambaleando, enfrentou a fila junto com as demais crianças. Esperou a sua vez, chegou perto do Enoque e falou suavemente em seu ouvido.

__“Papai Noel, eu quero o Enoque de presente!”.

__“Ele já é seu, totalmente seu!”. Respondeu Enoque.

Mariáh retornou a mesa, pegou o livro que estava lendo, foi ao banheiro, urinou. Rasgou uma das páginas do livro, enxugou a vagina e jogou o livro junto com a página no cesto do lixo. Retornou a mesa, pensou que estava sendo estupida, bêbada e esperando um rapaz do interior, que tinha como trabalho imitar a merda do Papai Noel. Trabalho idiota, pensou. Mas, voltou atrás, idiotas são os pais que inconscientemente trabalham para o capitalismo na ilusão de fazerem seus filhos acreditarem em uma fraude! Mariáh não gostava do Natal, não gostava da lavagem cerebral e comercial que as pessoas sofriam neste período.

O tempo passou. A praça de alimentação estava ficando vazia. As crianças escassas, Enoque não via a hora de tirar toda aquela roupa e maquiagem, sentar-se próxima de Mariáh, se tivesse sorte, poderia até leva-la para outro lugar. Foi exatamente o que aconteceu. Enoque foi dispensando, saiu quase que correndo, tirou a roupa do bom velhinho no banheiro dos funcionários, colocou a roupa no armário e foi ao encontro de Mariáh. 

Enoque chegou na mesa de Mariáh e praticamente não foi reconhecido por ela. Depois de ter tirado a maquiagem, finalmente a moça lembrou-se do jovem de Barcelos.

__“Lembrei de você!” Falou a garota.

__“Eu sei, o Papai Noel falou que eu sou seu”.

__“Enoque vamos sair daqui? Tem uma festa que eu quero ir”.

__“Vamos, tenho apenas que pegar a minha grana”. Falou o rapaz.

Os dois saíram em direção a parada de ônibus. Foi quando Mariáh indicou onde seria a festa. Enoque não acreditou, o mundo conspirava a seu favor, a festa que Mariáh desejava ir, era no bairro onde ele morava, Jorge Teixeira.

Entraram no lotação, mas a situação de embriagues de Mariáh não permitiu que ambos fossem a tal festa. Foram direto para o quarto do Enoque. Enoque tirou a roupa da moça, colocou debaixo de um chuveiro, levou até a sua cama de solteiro, enxugou os seus longos cabelos negros, vestiu uma bermuda velha e uma camisa amarelada do seu time de coração, Rio Negro. Ficou sentado na cadeira olhando aquela moça, fazia tempo que ela vivia em seus sonhos, e agora estava ali, embriagada e fragilizada na sua frente. Tinha visto o seu corpo nu, era linda. O que teria acontecido? Não teve coragem de fazer mais nada, apenas observava sua pele macia, seus lábios belos. Ficou admirando Mariáh até dormir. Enoque estava feliz, realmente o mundo conspirava ao seu favor.

(Continua...)

quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

A barba do Papai Noel (Capítulo 1)

 (Luciano Roberto)

"A barba do Papai Noel"

Passei os últimos dias sem escrever. Não por culpa minha, mas, final de ano letivo é difícil. Diários de classe para terminar, documentos para preencher, alunos em recuperação para avaliar, enfim, para quem trabalha com educação, sabe do mundo de burocracia que temos que lidar. 

Entretanto, escrevi um texto ontem e hoje, em seis capítulos. Uma história de sonho, de infantilidade, de amor e de desejo. Escrevi. Comecei e só parei quando dei um fim. A história fala do jovem sonhador Enoque, de Mariáh uma estudante apaixonada e de um professor universitário "pegador".

Sei da minha aventura insana no mundo da literatura e de minhas limitações. Ainda escreverei um grande livro, este é o meu maior e único sonho. Espero que gostem. Para você, que acompanhou meus textos nestes longos dias,  um grande abraço! 

Os capítulos serão expostos até o Dia de Natal.

A barba do Papai Noel
(Prólogo)

Papai Noel estava sentando como um verdadeiro rei em sua poltrona vermelha. Diante dele uma fila de crianças, mães e pais esperando a vez para tirar uma foto com o bom velhinho. O Shopping Puai, estava lotado, as pessoas observavam aquela cena, carregando consigo suas sacolas de presentes.

Enquanto isso, Papai Noel parecia está aflito, não dava a atenção merecida para as crianças. Os pais perceberam a grosseria do homem fantasiado de um símbolo que representava mais o capitalismo, do que o verdadeiro sentido do Natal.

Os olhos daquele que estava atrás da fantasia, procurava algo, até que finalmente encontrou.

Uma jovem e bela moça aproximou-se da fila onde estavam as crianças, acenou alguma coisa com a cabeça, papai olhou com seus olhos azuis, graças a uma lente de contato que o empregador havia lhe dado. Respondeu com a cabeça negativamente, mas já era tarde demais.

A moça se afastou, andou na praça de alimentação do shopping, parecia procurar alguém. Seguiu adiante, respirou fundo. Foi ao encontro da pessoa que procurava.

As pessoas continuavam andando com suas sacolas cheias de presentes, então algo inesperado aconteceu. Um estrondo de um disparo de uma arma. Uma algazarra tomou conta da praça de alimentação, a mulheres pegavam suas crianças e corriam não sabiam para onde. Papai Noel ficou em pé, sua respiração acelerou. Queria encontrar Mariáh no meio do caos, mas não encontrou.

As portas do Shopping foram fechadas, dezenas de seguranças surgiram de todos os lados. Diante deles um corpo agonizando. Papai Noel foi até o encontro dos seguranças, mas por motivos óbvios, pediram para que se retirasse dali. Finalmente seus olhos encontraram os olhos da moça.

O homem por trás da barba do Papai Noel, foi até o banheiro dos funcionários, se precaveu, percebendo que estava sozinho, entrou. Sentou-se no vaso sanitário, seu coração estava disparado. Suas mãos passavam em sua cabeça, a coloração branca do cabelo foi saindo.

Começou a tirar a roupa. Embaixo de sua barba retirou uma arma menor do que a palma de sua mão. Uma arma RUGER LCP. Estava apavorado, queria sair daquele ambiente o mais rápido possível, foi o que tentou fazer ao sair do banheiro. Queria encontrar Mariáh.


Chegando em Manaus
(Capítulo 1)

Enoque havia saído de casa cedo. Pegou uma lotação no bairro Jorge Teixeira, Zona Leste de Manaus. Tinha chegado a Manaus, já fazia uns seis meses. Veio em julho. Filho da bela terra de Barcelos, um dos maiores municípios em termos geográficos do Amazonas. Deixou sua terra natal, em busca de novas oportunidades na capital do meio da floresta.

Filho de pescador estudou com os padres salesianos, era aplicado, terminou o Ensino Médio e passou acreditar que poderia vencer na vida, queria novas oportunidades. Foi quando um primo comentou sobre a vontade de morar em Manaus. Enoque não hesitou, se o primo, que mal tinha estudado até a quarta série, tinha a ousadia de sonhar, porque ele não poderia.

Seguiram seus sonhos. Embarcaram no barco "Esperança", durante três dias, baixando o Rio Negro em rumo a grande metrópole. Seu pai teria aconselhado o jovem sonhador a desistir daquele sonho: “Fazer o que em Manaus? Toda a nossa família mora aqui, vive da pesca, da caça, do que planta. O que você vai fazer em Manaus, meu filho?”.

As palavras do velho Tóta entraram por um ouvido, e saiu por outro. A juventude possui algo de belo, que é a ousadia. Nada mais poderoso do que o sonho juvenil, ambições e desejos. Os primos vieram para Manaus.

Foram três dias de ansiedade. Durante a viagem Enoque se deitava na proa do barco, deixava o vento do norte bater em seu rosto. Não havia medo, apenas determinação. Ouviram falar do Distrito Industrial, iria conseguir um emprego, em poucos meses compraria uma casa. Ia buscar o resto dos irmãos e seus pais. Todo mundo trabalhando unido, todos cresceriam, Barcelos seria apenas uma cidadezinha para passar as férias e visitar os amigos. Aliás, seus amigos eram covardes, pois não tiveram a mesma ousadia que ele e seu primo tiveram. Pensava Enoque.

Uma viagem de barco é feito uma viagem de trem. Os trilhos são os rios que cortam a beleza única da natureza. O barulho do motor ecoa e se perde no mato. Enquanto está dormindo na rede, o balanço entra numa sintonia natural. Muitas vezes recebem a visita dos botos, quando menos percebem, a noite vem engolindo o dia e, o sol vai se escondendo devagarinho atrás da mata verde.

Sobre a tolda, a parte mais alta do barco, as pessoas conversam, namoram, jogam conversa fora, brincam de dominó e até mesmo paqueram outros viajantes. Foi na tolda do barco "Esperança" que Enoque viu pela primeira vez, uma jovem e bela mulher.

Sua pele tinha a mesma cor de jambo, seus cabelos negros e lisos, parecia um pedaço da noite que havia caído do céu, seus olhos negros, poderiam facilmente enxergar a alma de Enoque, seus lábios tinham o aroma do açaí. Enoque nunca havia visto mulher mais bela. Seus olhos se perderam, quando o vento veio loucamente, espalhar os cabelos dela. Enoque sentiu seu corpo sendo sugado. Mas do nada apareceu uma mão, foi posta em seus ombros, e Enoque sentiu um arpão, parecido aos arpões que seu pai fazia para pescar pirarucu, penetrar em seu coração.

Os dias no barco foram apenas para apreciar de longe tanta beleza. Parecia que os dias começaram a passar mais rápido. A única informação que Enoque teve da tal moça, é que ela era uma estudante de arqueologia, que havia passado um tempo em São Gabriel da Cachoeira, estudando os impactos entre a cultura do homem branco na cultura dos jovens indígenas do município. Seu nome, ele descobriu por acaso, Mariáh. Enoque ouviu o homem que acompanhava a moça,  chamando o seu nome. Mas para Enoque, em sua imaginação, tinha sido o vento que havia sussurrado em seu ouvido: Mariáh!

Era de madrugada, quando Enoque e o seu primo viram o clarão que vinha de Manaus. Nunca tinha visto tanta luz! Em Barcelos, havia geradores para produzir eletricidade, mas ali, na terra dos Manaós, a eletricidade era em abundância. Conforme o barco se aproximava do cais, mais nítida ficava a cápsula majestosa do Teatro Amazonas.

Os viajantes começaram a tirar as redes. Enoque e o seu primo, preferiram esperar, não tinham pressa. Iam para onde? Um conhecido da família em uma visita a sua família algum tempo atrás tinha falado de uma periferia, onde poderia encontrar quartos com alugueis baratos, sem precisar pagar água e energia. O bairro era chamado Jorge Teixeira. Lugar onde os dois iriam.

O barco foi ancorado, Enoque pulou. Era a primeira vez que colocava os pés sobre Manaus. Viu a moça que tinha arpado o seu coração, ela pediu ajuda com as mochilas que estava carregando, logo Enoque tornou-se muito mais forte do que seu franzino corpo poderia imaginar.

Pegou as mochilas, deu a mão para a moça e ajudou ela a ficar em terra firme. Enoque sem controlar seus extintos, ou sua inocência, falou quase sem perceber:

__ “Você é linda!” A moça olhou para ele e sorriu. Imediatamente seu acompanhante chegou. Tirou uma nota de cinco reais e deu a Enoque.

__ “Qual o seu nome?” Numa última tentativa, segurando a cédula na mão ouviu a resposta.

__ “Mariáh!” A moça respondeu. O vento não havia mentido para Enoque.

__ “Ora Mariáh, você dá confiança pra vagabundo, vamos!”. Falou o acompanhante da jovem.

Mariáh, logo se foi, caminhando entre tantas pessoas no Porto de Manaus. Enoque e o seu primo, duas horas mais tarde fizeram o mesmo, sem conhecer a cidade, não esquecia as palavras que o Padre Chicão lhe aconselhou: “Quem tem boca vai a Roma! Não tenha medo de perguntar, não tenha medo de buscar a sua felicidade meu rapaz”. Foi perguntando que Enoque e seu primo pegaram o ônibus da linha 622, rumo à periferia Jorge Teixeira.

Logo fizeram amizade com um rapaz dentro do ônibus. Falaram que estavam querendo alugar um quarto, simples e barato. O rapaz, que se apresentou com o apelido “Papagaio”, tornou-se amigo e parceiro dos primos. Apresentou um quartinho nos fundos da casa. Papagaio morava só com a mãe, ele tinha construído uma casa de madeira com ajuda dela, no fundo do quintal, quando esse havia engravidado sua namorada. Mas o casal não deu muito certo, quando estavam com uns sete meses, a garota foi embora e nunca mais voltou. Papagaio até hoje não sabe o paradeiro da sua namorada. E tão pouco sabe da criança.

Alugaram. Dona Expedita gostou muito da ideia de ter dois rapazes morando ali. Ora, o Jorge Teixeira era um lugar violento. Ela gostou principalmente do primo do Enoque, rapaz forte e meio selvagem.

Enoque e o Primo - foi assim mesmo que o primo passou a ser chamado: “Primo”. Começaram a ir, em busca de trabalho e perceberam que os tempos dourados de emprego no Distrito Industrial eram apenas histórias de outrora. A realidade era que várias indústrias estavam fechando suas portas. Trabalho escasso, o que se tinha era muito subemprego.

O primeiro emprego que Primo conseguiu, foi como churrasqueiro. Era o tempo do famoso “churrasquinho de gato”, muito comum nas ruas da cidade, assim que os jovens vieram para Manaus, em julho de 2000, encontraram famílias inteiras vendendo churrasquinho nas esquinas de Manaus. Primo trabalhava para Dona Expedita, ganhava uns trocados por dia, além de comer toda a comida que sobrava.

Às vezes, o Primo não só comia a comida, mas a própria Dona Expedita. Dona Expedita tinha idade para ser sua mãe, mas quem disse que ele se importava. O próprio Papagaio não quis aceitar a situação da mãe com um cara quase da sua mesma idade, engoliu seco o relacionamento dos dois. Acabou aceitando. Foi Dona Expedita que tirou o cabaço do menino Primo.

Bem que dona Expedita não era tão ruim. Se fosse um pouco mais cuidada, ainda dava para ganhar de muitas garotinhas. O problema foi sua vida dura, casou-se cedo. Teve cinco filhos. Três no primeiro casamento. Quando engravidou do terceiro filho, levou um chute na boca do estômago, que levou ela a abortar imediatamente. Ao se recuperar, pegou seus dois filhos e deu para pessoas estranhas. Até hoje não sabe do paradeiro deles. Casou-se uma segunda vez, agora apanhava e ainda servia como prostituta para o cafetão do marido. Teve mais dois filhos, o primeiro ela tinha certeza que era do homem com quem convivia, mas o segundo não. Em um ato de desespero, fugiu e levou consigo o seu menino, que tem o apelido de Papagaio.

A vida ia levando, os primos conseguiram moradia, comida e uma família. Enoque continuava perseguindo uma vaga no Distrito Industrial, trabalhar para ter uma vida mais digna. Enquanto não realizava, vivia de fazer “bicos”, trabalhava aqui e ali, enquanto seus pensamentos continuavam a chamar “Mariáh!”. 

(Continua...)