segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Autismo: um espectro para ser vencido nas escolas públicas

(Luciano Roberto)

Transtorno do Espectro Autista - TEA

A primeira vez que ouvir falar sobre "autismo", foi no Centro Educacional Santa Teresinha - CEST, tradicional escola da nossa cidade, localizada na avenida 7 de Setembro, Centro de Manaus. No momento do intervalo, na sala dos professores, a Professora Simone Helen Drumond comentava o assunto com entusiasmo, na primeira década de 2000.

Confesso que não dei a mínima atenção ao assunto. Mal sabia, que um dia iria me arrepender devido a minha ingênua ignorância.

Este ano tive como desafio em sala de aula, dois alunos autistas: Bob e Kika [nomes fictícios das crianças]. São alunos da Escola Municipal São Luiz, bairro Colônia Antonio Aleixo, Zona Leste. Elas estão no 3º Ano do Ensino Fundamental 1.

Bob e Kika me fizeram estudar! Não tinha conhecimento sobre como lidar com crianças autistas, fui em busca de informação. O primeiro passo foi ir atrás de livros que tratassem da temática. Fui numa das maiores livrarias de Manaus, e para minha surpresa, encontrei apenas o livro do Dr. Gustavo Teixeira, "Manual do Autismo". Fiquei decepcionado e assustado.

Então, direcionei a minha pesquisa para internet. Encontrei a Revista Autismo, onde havia uma entrevista com Temple Grandin. A reportagem começa anunciando "Temple Grandin é uma fonte de inspiração para inúmeras famílias e profissionais ao redor do mundo. Atualmente ela é a mais bem sucedida e célebre profissional norte-americana com autismo, altamente respeitada no segmento de manejo pecuário"¹.

Na entrevista Temple Grandin afirmou que "na escola era motivo constante de chacota e vivia triste. O único refúgio longe das provocações eram atividades práticas como passeios a cavalo e o laboratório de eletrônica. As crianças que gostavam dessas atividades não me importunavam. Essas atividades eram os refúgios das provocações. Mamãe foi capaz de me ensinar a cumprir horários e ter boas maneiras, mas ela não foi capaz de me obrigar a estudar. Não me senti motivada a estudar até ter uma razão para isso. Quando estava na escola eu não via sentido em estudar. Existiam certos tópicos em que ganhava nota máxima, como em biologia e outros assuntos como inglês e história nos quais eu não tinha interesse. Meu professor de ciências, sr. Carlock, foi peça-chave em me motivar a estudar"².

A frase "Meu professor de ciências, sr. Carlock, foi peça-chave em me motivar a estudar", acabou me motivando! Não tinha os recursos, mas tinha a motivação. Vale a pena ler a entrevista na integra!

Em minhas pesquisas na internet encontrei um vasto material disponibilizado para trabalhar com crianças com autismo, advinha por quem? Professora Simone Helen Drumond. Para escrever este texto, acabei entrando em contato com a professora Simone, que considero umas das grandes estudiosas do assunto em Manaus. 

Ela fez o seguinte comentário: "Trabalho com autistas em diversas fases da Síndrome e de desenvolvimento de habilidades. Autistas possuem uma maneira diferente de SER e ESTAR no mundo, mas são estrelinhas azuis que possuem habilidades latentes que quando descobertas os permitem transcender. O caminho para essa perspectiva não é fácil, mas é um caminho possível". O conhecimento sempre é possível!
      
O que é Autismo?

Autismo, nome popular que damos ao Transtorno do Espectro Autista [TEA].  O TEA é um transtorno de neurodesenvolvimento, ou seja, a criança com TEA tem meios e maneiras de desenvolver suas habilidades quanto aprendizagem. Elas aprendem, mas têm seu momento para aprender. Não são diferentes, são iguais como qualquer outra criança.

É importante destacar que "o autismo aparece antes dos 3 anos de idade e permanece na idade adulta. Porém suas manifestações podem ser, em muitos casos, notavelmente atenuadas através de programas adequados de intervenção psico-educativa. De cada mil crianças, aproximadamente, uma é autista"³.

Trabalhar com uma criança com TEA exige atenção, aprendizagem e dedicação, é algo grandioso, te faz enxergar que a vida pode ser muito mais simples do que pensamos. Mas não é tão fácil!

Bob 

O Bob sempre leva um personagem para a sala de aula: Pica-pau, Alves dos esquilos, Rocky Balboa, entre outros. No começo do ano ele só falava do Scooby-Doo, o famoso cão dinamarquês medroso do Salsicha - ou seria o Salsicha que pertence ao Scooby-Doo?  A primeira sacada foi trabalhar com o desenho do Scooby-Doo. Tirei uns desenhos da internet, recortei em círculos e atrás escrevi as letras do seu nome.

No começo do ano o Bob não sabia manipular o lápis na mão. Hoje escreve o seu nome, copia, desenha melhor do que seu professor e teve um avanço muito bom. Tão bom que sua mãe me pediu para dar o meu número do celular para a psicologa que acompanha ele. Permiti.

Caso a psicologa ligue perguntando o que eu fiz para o Bob avançar? Já tenho a resposta na ponta da língua: Nada, apenas tratei ele igual a todos os outros alunos! 

Mas nem tudo é flores! Há momentos de crises, um desses momentos é de risos altos e constantes do Bob, e trabalhar com essas crises é complicado. Nada que um abraço não resolva. A solidariedade dos outros alunos com ele é algo fantástico de ver. Os meninos ajudam o Bob amarrar o cadarço do sapato, sua coordenação motora é falha. Quando o Bob quer ir ao banheiro, não deixo ele ir sozinho, tem sempre uma dúzia de voluntários querendo acompanhar ele.

Ouve avanços durante este ano letivo, mas é preciso que o Bob torne-se independente, leia e escreva como qualquer outra criança da sua idade.

Kika

A mãe da minha aluna Kika me deixou emocionado. Sou emotivo e não tenho vergonha. Ela relatou que a Kika não falava, não tinha relação social. Tinha o seu próprio mundo. Não gostava de ir para escola. E que melhorou bastante este ano. Que a Kika só fala do meu nome em casa e que o pai dela morre de ciúmes do tal professor Luciano.

A Kika é super show, tem uma capacidade de concentração incrível. Vou relatar um dos trabalhos que realizei com ela em sala de aula. Fiz um desenho de um sapato num pedaço de cartolina, do tamanho de uma folha de papel ofício A4.

Recortei o desenho em 6 partes. Ela consegui montar em 10 minutos. O tempo neste caso é irrelevante. Cortei mais uma vez o desenho, agora em 8 partes. Novamente gastou dez minutos para juntar as peças. Aumentei a dificuldade, ela passou a gastar mais tempo, mas sempre conseguiu montar. Minha conclusão é que Kika tem uma grande capacidade de concentração e tem condições de ler e escrever. Sua letra é zelosa, faz todas as atividades.

Não é mais calada, é assídua em todas as atividades realizadas em sala de aula. Brinca, corre, fofoca com as outras meninas e dança muito!

Já faz alguns dias que queria escrever sobre o Transtorno do Espectro Autista. Escrevi este texto, que não passa de um relato resumido e pessoal da minha experiência em sala de aula com dois alunos autistas. Permiti várias lacunas quanto ao tema, para serem preenchidas por novas reflexões no futuro próximo.

Sei que muito ainda deve ser feito em nossas escolas em relação à Política Pública de Inclusão, existem leis que aparam os profissionais de educação e alunos especiais, agora é preciso estudá-las!    








¹ http://www.revistaautismo.com.br/RevistaAutismo003.pdf (acessado: 14/11/2016).

² Idem (acessado: 14/11/2016).

³ SURIAN, Luca. Autismo: informações essenciais para familiares, educadores e profissionais de saúde. São Paulo: Paulinas, 2010. (pág. 9) 

3 comentários:

  1. Seu trabalho merece parabéns!
    Seria ótimo se todos os professores tivesse esse olhar zeloso com essas crianças especiais.
    Aproveito o espaço e sugiro que assista, e que alunos e professores também assistam o filme " como estrelas na terra" excelente filme que mostra de maneira bem sensível a problemática do autismo na escola.

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  2. Muito bom !! Assunto como este, de uma maneira geral deve ser tratado e discutido com máximo incentivo, pois atentos que muitas pessoas sofrem desta e de outros problemas, devemos sempre estar de olho em uma solução.

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  3. Obrigado senhores! Estava lendo a LDB 9394/96, apenas o capítulo 5 trata dos alunos especiais. Detalhe: uma única página!

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