Uma
oportunidade, uma medalha de ouro
(Luciano
Roberto)
Quando
fui transferido para trabalhar na Escola Municipal Professor Roberto
dos Santos Vieira, minha função era cuida da parte burocrática
da escola, ou seja, a secretaria. Mas a diretora, na época Rosemi Araújo,
achou melhor que desenvolvesse um trabalho na Sala de Leitura que
tinha e tem um acervo de livros muito bom. Como adoro ler, gostei
muito da ideia, pois passaria boa parte do tempo perto dos livros.
Porém, havia um problema que a escola estava enfrentando, as aulas tinham começado e muitas turmas estavam sem professores. Vários professores que chegavam na escola desistiam, devido a distancia e a dificuldade dos ônibus coletivos não entrarem no bairro. Foi devido a estas questões que surgiu a minha grande oportunidade. Em uma reunião na sala dos professores, no qual eu estava presente, a professora Andreia Mello, que tinha feito amizade logo de cara, e essa amizade se transformou em amor de irmão, e como irmãos muitas vezes íamos na “porrada” para defender ideais, fez mais ou menos o seguinte comentário para a professora Rosemi:
_Professora
Rosemi, o Luciano é formado em magistério. Não é Luciano?
_Sou
sim! Respondi de um único folego.
_Professora
porque a senhora não dar uma turma para ele? Continuou a professora
Andreia.
_Luciano
você gostaria de lecionar, enfrentar uma sala de aula? Recorrendo a
memória, foi quase esta a pergunta que a professora Rosemi fez.
_Professora
Rosemi é o que eu mais quero! Respondi quase sem voz.
Todos
os colegas que estavam presentes gostaram da ideia. Tinha vinte anos
de idade quando assumi a minha primeira turma. Sala 04, turma Tiago
de Mello, 2ª série, hoje 3º ano.
Como
nem tudo na vida são flores, a professora Rosemi comentou o
seguinte.
_Só
tem um problema, você não vai receber salário de professor,
continuará a receber como cooperado, na época não chegava ao valor
do salário mínimo.
_Não
importa professora, eu quero do mesmo jeito! Respondi.
Passei
a ler todos os livros sobre educação que caia em minhas mãos, Jean
Piaget, Emília Ferreira, Paulo Freire etc. Tentava realizar aulas
com metodologia construtivista. Realizei aulas maravilhosas que me
marcaram profundamente e com certeza marcaram os meus alunos. Muitas
vezes saia da escola com a camisa molhada de suor e orgulhoso por
fazer um bom trabalho. Houve uma aula que criei o Capitão Tempo para
falar sobre as “Estações do tempo”, fiz uma máscara de
papelão, vesti uma camisa e bermudão, calcei uma meia que ia até o
meio da canela e um tênis preto cano longo da All Star, sem contar o
guarda chuva preto. Já ouviu falar da personagem Professora
Maluquinha do escritor e desenhista Ziraldo, pois é, na Escola
Roberto Vieira, havia o professor maluquinho, confesso que o meu
primeiro ano como professor foi o melhor ano de todos. Paulo Coelho
certa vez escreveu que “quando somos jovens temos toda a ousadia
para lutar, mas não temos maturidade, quando envelhecemos temos
maturidade suficiente, mas já não temos ousadia”. Ousadia ainda
tenho, mas falta estimulo, não só para mim, mas para uma grande
quantidade de colegas professores que conheço.
Em
2000, lá pelo mês de novembro, já tinha conquistado o meu espaço
na escola e o respeito por parte dos pais pelo trabalho que
desenvolvia. Neste ano aconteceu a primeira Feira de Ciências da
escola. Havia um programa de ciências chamado o “Mundo de Bigman”
(eu acho que se escreve assim, não lembro), que era apresentado na
TV Cultura e eu adorava. Passou uma matéria sobre reciclagem de
papel, como surgiu o papel e várias outra informações. Foi do
programa que tirei a ideia de trabalhar com os meninos sobre essa
temática.
Fiz
um pequeno projeto interdisciplinar, que na época ainda era uma
“coisa” nova para nós professores, envolvendo História,
Geografia, Língua Portuguesa e Meio Ambiente. Passei a trabalhar com
os alunos explicando a história do papel, mostrando em mapas onde
localizava-se os países que desenvolveram o papel, produzindo textos
e recolhendo o nosso próprio lixo, papel rasurado, jornal etc. Levei
os alunos para o pátio da escola e mostrei como se fazia papel
reciclado. No dia da feira, enquanto os colegas professores optaram
por ficar em suas salas de aula, dividindo espaço com os alunos dos
turnos vespertino e noturno, eu e minha turma ficamos no pátio. Logo
de cara percebi que não dava para fazer uma boa decoração pois não
havia paredes para colar cartazes. Usei a mesa onde os alunos
merendavam, colei jornais ao redor dela toda, com o nosso tema:
“Reciclagem de papel”. Peguei emprestado o liquidificador da
escola, o globo e ficamos aguardando a vinda da comunidade. Nossa
ornamentação era bem pobrezinha, enquanto que nas salas das colegas
professoras eram tudo um show. Fiquei no inicio constrangido,
“poderia ter feito algo melhor”, ficava pensando comigo mesmo.
Entretanto
havia um grande diferencial entre o meu trabalho e os trabalhos das
colegas professoras. Enquanto que os alunos das colegas explicavam o
assunto com textos decorados ou com o papel na mão (a famosa cola),
os meus alunos eram espontâneos, explicavam com convicção. Tinham
realmente aprendido a história do papel e a importância da
reciclagem. A feira começou as 8 horas da manhã e terminou as 18
horas. Seis alunos ficaram representando a nossa turma.
Quando
terminou a feira, a professora Rosemi foi anunciar os vencedores. Eu
pensava que não poderia ser o primeiro, mas ficaria ao menos em uma
boa colocação. A professora falou do último até o primeiro (olha
que era vários trabalhos!). Quando chegou do quinto até o primeiro
o coração começou a disparar – havia uma competição sadia
entre nós professores da escola. O terceiro lugar não recordo qual
foi o tema trabalhado, mas foram os alunos do noturno que estudavam
na Educação de Jovens e Adultos – EJA, que ganharam; o segundo
lugar foi para o trabalho sobre “Lactose”, realizado pela
excelente professora Luana e o primeiro lugar, advinha... Recordando
a professora Rosemi, uma mulher de estrutura mediana, com o microfone
na mão, anunciou o primeiro lugar.
_Em
primeiro lugar... (neste momento ela olhou para mim e sorriu) o
trabalho “Reciclagem de papel” da turma do professor Luciano
Roberto...
Foi
uma gritaria, a escola estava lotada, e praticamente ninguém
questionou, a não ser a professora Luana e a professora Andreia que
tiraram brincadeira comigo.
_Fala
a verdade, você comprou os jurados...
Aconteceu
uma premiação simbólica, medalhas para os alunos, os meus alunos
ganharam a medalha de ouro. Geovanne que tinha 8 anos, um dos meus
alunos todo orgulhoso com a sua medalha no peito fez o seguinte
comentário:
_Professor
nós fizemos o que nem a seleção brasileira fez.
_O
que Geovanne? Perguntei.
_Nós
ganhamos a medalha de ouro!
No
ano 2000, houve as Olimpíadas de Sydney e a Seleção Brasileira de
Futebol não foi campeão. Ainda hoje quando lembro do comentário do
Geovanne meus olhos enchem de lágrimas. Deixei todo o material que
tinha usado do mesmo jeito, sai com os meus alunos correndo, descendo
a ladeira da rua Gergelim. Tínhamos feito o que nem a Seleção
Brasileira fez, eramos campeões.
Passei
aquele ano trabalhando e recebendo duas vezes menos que o salário de
um professor. Não importava, tinha ganho a minha oportunidade e o
Geovanne a sua primeira medalha de ouro.
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