sábado, 3 de agosto de 2013

Uma oportunidade, uma medalha de ouro

Uma oportunidade, uma medalha de ouro
(Luciano Roberto)

Quando fui transferido para trabalhar na Escola Municipal Professor Roberto dos Santos Vieira, minha função era cuida da parte burocrática da escola, ou seja, a secretaria. Mas a diretora, na época Rosemi Araújo, achou melhor que desenvolvesse um trabalho na Sala de Leitura que tinha e tem um acervo de livros muito bom. Como adoro ler, gostei muito da ideia, pois passaria boa parte do tempo perto dos livros.


Porém, havia um problema que a escola estava enfrentando, as aulas tinham começado e muitas turmas estavam sem professores. Vários professores que chegavam na escola desistiam, devido a distancia e a dificuldade dos ônibus coletivos não entrarem no bairro. Foi devido a estas questões que surgiu a minha grande oportunidade. Em uma reunião na sala dos professores, no qual eu estava presente, a professora Andreia Mello, que tinha feito amizade logo de cara, e essa amizade se transformou em amor de irmão, e como irmãos muitas vezes íamos na “porrada” para defender ideais, fez mais ou menos o seguinte comentário para a professora Rosemi:

_Professora Rosemi, o Luciano é formado em magistério. Não é Luciano?

_Sou sim! Respondi de um único folego.
_Professora porque a senhora não dar uma turma para ele? Continuou a professora Andreia.

_Luciano você gostaria de lecionar, enfrentar uma sala de aula? Recorrendo a memória, foi quase esta a pergunta que a professora Rosemi fez.

_Professora Rosemi é o que eu mais quero! Respondi quase sem voz.

Todos os colegas que estavam presentes gostaram da ideia. Tinha vinte anos de idade quando assumi a minha primeira turma. Sala 04, turma Tiago de Mello, 2ª série, hoje 3º ano.

Como nem tudo na vida são flores, a professora Rosemi comentou o seguinte.

_Só tem um problema, você não vai receber salário de professor, continuará a receber como cooperado, na época não chegava ao valor do salário mínimo.

_Não importa professora, eu quero do mesmo jeito! Respondi.

Passei a ler todos os livros sobre educação que caia em minhas mãos, Jean Piaget, Emília Ferreira, Paulo Freire etc. Tentava realizar aulas com metodologia construtivista. Realizei aulas maravilhosas que me marcaram profundamente e com certeza marcaram os meus alunos. Muitas vezes saia da escola com a camisa molhada de suor e orgulhoso por fazer um bom trabalho. Houve uma aula que criei o Capitão Tempo para falar sobre as “Estações do tempo”, fiz uma máscara de papelão, vesti uma camisa e bermudão, calcei uma meia que ia até o meio da canela e um tênis preto cano longo da All Star, sem contar o guarda chuva preto. Já ouviu falar da personagem Professora Maluquinha do escritor e desenhista Ziraldo, pois é, na Escola Roberto Vieira, havia o professor maluquinho, confesso que o meu primeiro ano como professor foi o melhor ano de todos. Paulo Coelho certa vez escreveu que “quando somos jovens temos toda a ousadia para lutar, mas não temos maturidade, quando envelhecemos temos maturidade suficiente, mas já não temos ousadia”. Ousadia ainda tenho, mas falta estimulo, não só para mim, mas para uma grande quantidade de colegas professores que conheço.

Em 2000, lá pelo mês de novembro, já tinha conquistado o meu espaço na escola e o respeito por parte dos pais pelo trabalho que desenvolvia. Neste ano aconteceu a primeira Feira de Ciências da escola. Havia um programa de ciências chamado o “Mundo de Bigman” (eu acho que se escreve assim, não lembro), que era apresentado na TV Cultura e eu adorava. Passou uma matéria sobre reciclagem de papel, como surgiu o papel e várias outra informações. Foi do programa que tirei a ideia de trabalhar com os meninos sobre essa temática.

Fiz um pequeno projeto interdisciplinar, que na época ainda era uma “coisa” nova para nós professores, envolvendo História, Geografia, Língua Portuguesa e Meio Ambiente. Passei a trabalhar com os alunos explicando a história do papel, mostrando em mapas onde localizava-se os países que desenvolveram o papel, produzindo textos e recolhendo o nosso próprio lixo, papel rasurado, jornal etc. Levei os alunos para o pátio da escola e mostrei como se fazia papel reciclado. No dia da feira, enquanto os colegas professores optaram por ficar em suas salas de aula, dividindo espaço com os alunos dos turnos vespertino e noturno, eu e minha turma ficamos no pátio. Logo de cara percebi que não dava para fazer uma boa decoração pois não havia paredes para colar cartazes. Usei a mesa onde os alunos merendavam, colei jornais ao redor dela toda, com o nosso tema: “Reciclagem de papel”. Peguei emprestado o liquidificador da escola, o globo e ficamos aguardando a vinda da comunidade. Nossa ornamentação era bem pobrezinha, enquanto que nas salas das colegas professoras eram tudo um show. Fiquei no inicio constrangido, “poderia ter feito algo melhor”, ficava pensando comigo mesmo.

Entretanto havia um grande diferencial entre o meu trabalho e os trabalhos das colegas professoras. Enquanto que os alunos das colegas explicavam o assunto com textos decorados ou com o papel na mão (a famosa cola), os meus alunos eram espontâneos, explicavam com convicção. Tinham realmente aprendido a história do papel e a importância da reciclagem. A feira começou as 8 horas da manhã e terminou as 18 horas. Seis alunos ficaram representando a nossa turma.
Quando terminou a feira, a professora Rosemi foi anunciar os vencedores. Eu pensava que não poderia ser o primeiro, mas ficaria ao menos em uma boa colocação. A professora falou do último até o primeiro (olha que era vários trabalhos!). Quando chegou do quinto até o primeiro o coração começou a disparar – havia uma competição sadia entre nós professores da escola. O terceiro lugar não recordo qual foi o tema trabalhado, mas foram os alunos do noturno que estudavam na Educação de Jovens e Adultos – EJA, que ganharam; o segundo lugar foi para o trabalho sobre “Lactose”, realizado pela excelente professora Luana e o primeiro lugar, advinha... Recordando a professora Rosemi, uma mulher de estrutura mediana, com o microfone na mão, anunciou o primeiro lugar.

_Em primeiro lugar... (neste momento ela olhou para mim e sorriu) o trabalho “Reciclagem de papel” da turma do professor Luciano Roberto...

Foi uma gritaria, a escola estava lotada, e praticamente ninguém questionou, a não ser a professora Luana e a professora Andreia que tiraram brincadeira comigo.

_Fala a verdade, você comprou os jurados...

Aconteceu uma premiação simbólica, medalhas para os alunos, os meus alunos ganharam a medalha de ouro. Geovanne que tinha 8 anos, um dos meus alunos todo orgulhoso com a sua medalha no peito fez o seguinte comentário:

_Professor nós fizemos o que nem a seleção brasileira fez.

_O que Geovanne? Perguntei.
_Nós ganhamos a medalha de ouro!
No ano 2000, houve as Olimpíadas de Sydney e a Seleção Brasileira de Futebol não foi campeão. Ainda hoje quando lembro do comentário do Geovanne meus olhos enchem de lágrimas. Deixei todo o material que tinha usado do mesmo jeito, sai com os meus alunos correndo, descendo a ladeira da rua Gergelim. Tínhamos feito o que nem a Seleção Brasileira fez, eramos campeões.

Passei aquele ano trabalhando e recebendo duas vezes menos que o salário de um professor. Não importava, tinha ganho a minha oportunidade e o Geovanne a sua primeira medalha de ouro.

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