(Luciano Roberto)
In memoriam de Milena Alencar
Quando eu pensei em escrever este texto, pensei em alguns títulos, tais como: "Anos fabulosos", uma imitação barata da minissérie "Anos Incríveis". Que era transmitida pela TV Cultura no final dos anos 90.
Também pensei em "Todo mundo odeia o Luciano", mas cara, nada a ver! Então ficou mesmo o título que está exposto acima. Uma alusão ao livro de Zuenir Ventura, "1968: O ano que não terminou". Tive o meu ano incrível, o ano que não terminou...
A História não é feita apenas por "grandes homens", personagens eternizados nos livros didáticos. A História é feita por pessoas comuns, como você e eu. Já interrogava o alemão Bertolt Brecht: (1898 - 1956), em sua poesia "Perguntas de um trabalhador que lê", veja algumas estrofes:
"Quem construiu a Tebas de sete portas?
Nos livros estão nomes de reis:
Arrastaram eles os blocos de pedra?
A História não é feita apenas por "grandes homens", personagens eternizados nos livros didáticos. A História é feita por pessoas comuns, como você e eu. Já interrogava o alemão Bertolt Brecht: (1898 - 1956), em sua poesia "Perguntas de um trabalhador que lê", veja algumas estrofes:
"Quem construiu a Tebas de sete portas?
Nos livros estão nomes de reis:
Arrastaram eles os blocos de pedra?
[...]
Sozinho?
[...]
A cada dez anos um grande Homem.
Quem pagava a conta?
Tantas histórias.
Tantas questões"¹.
Quem pagava a conta?
Tantas histórias.
Tantas questões"¹.
Eis, aqui um pouco da minha História. Em 1996, eu cursava o último ano do antigo Primeiro Grau, estudava numa turma formada de loucos: 8ª "C". Muitos de nós eramos rebeldes sem causa, ou revolucionários ultrapassados. Tínhamos perdido a era das revoluções. Nos restaram, apenas as histórias dos livros.
Certamente, nem nós que vivemos intensamente aquele ano louco, tínhamos ideia de quanto ele tornaria-se importante para a formação do nosso caráter, compromisso social, cultural e político. Muito menos que 1996 seria o ano de nossas vidas.
E tudo isto aconteceu em uma escola. A Escola Municipal Júlia Barjona Labre. Foi no Júlia - chamávamos assim mesmo "o Júlia" - que muitas coisas aconteceram pela primeira vez. O primeiro livro, o primeiro amor, a primeira poesia, o primeiro porre, a primeira transa, o primeiro show, o primeiro cigarro, o primeiro contato com um computador, a primeira virgem, o primeiro patins, a primeira manifestação, a primeira utopia.
Tudo isso e muito mais aconteceu naquele ano de 1996, vinte anos atrás.
O Primeiro livro que li completo, chama-se o "Falso observador de pássaros". Escrito por Luiz Maria Veiga. Encontrei este livro em uma das prateleiras da biblioteca da escola. O que chamou atenção foi o desenho da imagem de Ernesto "Che" Guevara. Na época o Camarada "Che", tornou-se o meu maior ídolo. Tudo que estava ligado ao seu nome ou a sua imagem, eu tinha interesse.
O livro conta a história de um jovem revolucionário que lutava contra a Ditadura Militar no Brasil. Mas, o mais interessante é a história de como ele passou a ser meu. Depois que li o livro tive que devolver para a biblioteca, certo. Então, tentei em vão, por três vezes furtá-lo sem sucesso. O meu medo não permitia.
Somente quando passei a namorar uma garota de outra série e turma, é que tive acesso ao livro. Estava próximo ao Dia dos Namorados, e minha namorada fez a seguinte pergunta: "O que você gostaria de ganhar de presente"? Ora, que pergunta: o livro! Mostrei onde o meu precioso livro estava, e hoje ele é o meu maior tesouro. A garota fez o que eu já tinha tentado fazer. Mas a minha covardia e meus princípios familiares - penso que foi covardia mesmo! - não permitiram. Retribuo aqui o presente que ganhei. Obrigado gata, você me deu o maior presente no Dia dos Namorados!
O primeiro porre, putz! Foram tantos! Entretanto, existe um que guardo com carinho em minha memória. Eu e o meu amigo Antônio Eudo, matávamos aulas. Pulávamos o muro do "Júlia" para beber umas cachaças. Comprávamos na época meia garrafa de Caninha 61, e um refrigerante, e logo, logo, a felicidade seria alcançada.
Mas houve um dia em que compramos a nossa bebida e apareceu uma linda borboleta. Que passou a sugar o pouco da bebida que havia caído no balcão do bar. A borboleta tomou todas conosco. Ao terminarmos de beber começou a fazer um tempo daqueles, ia cair um forte toró - chuva - e começamos a correr em rumo a quadra da escola, Zezão. Corríamos e a borboleta nos seguia. Corríamos mais rápido e borboleta nos seguia. Foi muito louco e mágico! Acho que até hoje aquela borboleta nos procura. "Pow, cadê os caras para pagar uma pingas"!
São tanta histórias... mas hoje vou falar de manifestação. Realizamos duas grandes manifestações no "Júlia". A primeira paramos a Avenida Grande Círcular - a principal avenida da Zona Leste de Manaus. Conseguimos o apoio do PC do B - Partido Comunista do Brasil - que concedeu um carro de som. Nesta manifestação, fui detido pela Polícia Militar e levado para antiga Fundação Estadual para o Bem Estar do Menor - FEBEM. Era localizado no bairro Alvorada, atrás do "Estádio de Futebol Vivaldo Lima", hoje a nossa famosa "Arena da Amazônia". Escreverei com mais detalhes sobre está manifestação em outro momento.
Vou falar da manifestação que realizamos contra o ex-prefeito, ex-governador e atual Senador do Estado do Amazonas, Eduardo Braga.
Na época, o jovem prefeito de Manaus, Eduardo Braga apoiava Alfredo Nascimento, para ser seu sucessor. Tinha assumido a Prefeitura de Manaus, quando Amazonino Mendes deixou o cargo para concorrer a Governo do Estado.
O então prefeito foi ao "Júlia" inaugurar um auditório. Nós alunos, ficamos sabendo da visita. A partir de agora, vou utilizar alguns trechos do livro de minha autoria, ainda não editado: "Nas mãos da utopia".
"O professor de história, Edmilson Lima tinha começado uma paranoia de ser "câmera amador". Passou a gravar tudo. Registrou a escola com sua nova estrutura e visitou a nossa sala. Eu estava com um lance muito louco na minha cabeça de afiliar-me ao PC do B. Já tinha conhecido alguns caras da UJS - União da Juventude Socialista - com ideologias semelhantes a minha. Peguei minha farda de aula -estava com uma camisa debaixo - e comecei a desenhar a famosa "foice e martelo", símbolo da igualdade e luta da massa proletária e camponesa.
[...]
Terminei o desenho na minha farda e mostrei para uma colega, a Gizelle. Ela tinha gostado. Os outros colegas também gostaram, então comecei a desenhar em quase todas as fardas. Abaixo dos desenhos umas frases: "Brasil, mostra a tua cara!", "O Brasil é o país do futuro!", "Manaus meu ciúme" (slogan da prefeitura), "Não quero ter meu filho no chão!" (Uma colega, Hellen Repolho, tinha ficado grávida, dias antes, uma mulher tinha acabado de ter parido no chão, na Maternidade Balbina Mestrinho. Este fato teve uma grande repercussão na mídia local. [Há outras frases no texto "Nas mãos da utopia"].
Foi neste momento em que eu fazia os desenhos nas camisas dos meus colegas que surgiu a ideia: virar as costas para o Prefeito Eduardo Braga!
Falei a ideia para o Professor Edmilson, que era o único que sabia o que ia acontecer.
Então nos dirigimos ao novo auditório. Esperando o prefeito ao som das belíssimas toadas do Boi Garantido: "Meu coração é vermelho, de vermelho vive um coração"... Naquele tempo, as toadas dos bois de Parintins faziam um sucesso fantástico em Manaus.
Finalmente Eduardo Braga chegou. "Eduardo! "Eduardo!", gritavam alguns pais de alunos que estavam presentes e os alunos das outras turmas. Enquanto nós, alunos do 8º "C", esperando o momento em que o prefeito iria falar para virar a costas. [Santa ingenuidade!].
O diretor da escola falou, outros diretores presentes falaram e falaram, falaram, falaram...
Eduardo Braga se pronunciou, exatamente as 18 horas e 24 minutos. Como sei de todo o detalhe? O professor Edmilson filmou tudo!
Eduardo Braga falou:
"Boa noite!"
Imediatamente ficamos em pé e viramos as costas. O prefeito continuou:
"Bem, eu gostaria de falar muito pouco, apenas dizer o seguinte: o quanto avançamos na educação. Ainda pouco eu ouvia o diretor dizer que numa parceria MEC - SEMED, nós estávamos implantando laboratórios de informática... laboratórios...
O prefeito travou. Parou o seu discurso, confuso sem entender o que estava acontecendo, aliás, ele e ninguém. As frases nas camisas tinham sido uma ideia de mestre. Ele passou a ler todas elas. O auditório foi tomado por um enorme silencio"².
A merda tinha sido lançada no ventilador. No outro dia o diretor queria a cabeça dos líderes da manifestação. Passamos a viver um momento de turbulência total! Durante uma semana, todo dia um, dois ou três alunos eram suspenso. Passei por uma pressão psicológica terrível.
O diretor já sabia quem era o líder. Mas ele não fazia nada comigo. Suspendia um a um, os colegas que tinha participado da manifestação. O que ele desejava era me expulsar da escola. O mês de setembro foi um inferno.
Fui chamado a ir na própria SEMED, lá dei um show de citações de intelectuais para "²os meus interrogadores: como Karl Marx, Lenin, Hegel, entre outros. Cada pergunta que era feita, respondia usando citações. Naquele momento, estava lendo "Para Além do Bem e do Mal" de Nietzsche.
Os interrogadores piraram! Quem estava me dando aqueles livros. Na biblioteca não havia tais obras. Um pirralho da periferia citando Nietzsche, como? O Edmilson emprestou-me diversos livros, mas a obra "Para Além do Bem e do Mal", não foi ele. Até hoje lembramos desta história, ontem mesmo no nosso encontro da Turma JBL 8º "C", vinte anos depois sorrimos pra caramba sobre o tal cara que emprestou.
O diretor reuniu todos os professores, para descobri quem tinha emprestado o livro de Nietzsche. O professor que me emprestou, cagou nas calças, e nada falou.
Eis o poder de um livro!
Caramba, quase não termino. Se você chegou a ler até aqui, perdoe os erros. Não tive saco para revisar. Talvez um dia eu leio.
1996: foi o ano que não terminou para nós que vivemos toda essa loucura!
São tanta histórias... mas hoje vou falar de manifestação. Realizamos duas grandes manifestações no "Júlia". A primeira paramos a Avenida Grande Círcular - a principal avenida da Zona Leste de Manaus. Conseguimos o apoio do PC do B - Partido Comunista do Brasil - que concedeu um carro de som. Nesta manifestação, fui detido pela Polícia Militar e levado para antiga Fundação Estadual para o Bem Estar do Menor - FEBEM. Era localizado no bairro Alvorada, atrás do "Estádio de Futebol Vivaldo Lima", hoje a nossa famosa "Arena da Amazônia". Escreverei com mais detalhes sobre está manifestação em outro momento.
Vou falar da manifestação que realizamos contra o ex-prefeito, ex-governador e atual Senador do Estado do Amazonas, Eduardo Braga.
Momento de tensão: Eduardo Braga começa a falar, então viramos as costas (8º "C").
O então prefeito foi ao "Júlia" inaugurar um auditório. Nós alunos, ficamos sabendo da visita. A partir de agora, vou utilizar alguns trechos do livro de minha autoria, ainda não editado: "Nas mãos da utopia".
"O professor de história, Edmilson Lima tinha começado uma paranoia de ser "câmera amador". Passou a gravar tudo. Registrou a escola com sua nova estrutura e visitou a nossa sala. Eu estava com um lance muito louco na minha cabeça de afiliar-me ao PC do B. Já tinha conhecido alguns caras da UJS - União da Juventude Socialista - com ideologias semelhantes a minha. Peguei minha farda de aula -estava com uma camisa debaixo - e comecei a desenhar a famosa "foice e martelo", símbolo da igualdade e luta da massa proletária e camponesa.
[...]
Terminei o desenho na minha farda e mostrei para uma colega, a Gizelle. Ela tinha gostado. Os outros colegas também gostaram, então comecei a desenhar em quase todas as fardas. Abaixo dos desenhos umas frases: "Brasil, mostra a tua cara!", "O Brasil é o país do futuro!", "Manaus meu ciúme" (slogan da prefeitura), "Não quero ter meu filho no chão!" (Uma colega, Hellen Repolho, tinha ficado grávida, dias antes, uma mulher tinha acabado de ter parido no chão, na Maternidade Balbina Mestrinho. Este fato teve uma grande repercussão na mídia local. [Há outras frases no texto "Nas mãos da utopia"].
Foi neste momento em que eu fazia os desenhos nas camisas dos meus colegas que surgiu a ideia: virar as costas para o Prefeito Eduardo Braga!
Falei a ideia para o Professor Edmilson, que era o único que sabia o que ia acontecer.
Então nos dirigimos ao novo auditório. Esperando o prefeito ao som das belíssimas toadas do Boi Garantido: "Meu coração é vermelho, de vermelho vive um coração"... Naquele tempo, as toadas dos bois de Parintins faziam um sucesso fantástico em Manaus.
Finalmente Eduardo Braga chegou. "Eduardo! "Eduardo!", gritavam alguns pais de alunos que estavam presentes e os alunos das outras turmas. Enquanto nós, alunos do 8º "C", esperando o momento em que o prefeito iria falar para virar a costas. [Santa ingenuidade!].
O diretor da escola falou, outros diretores presentes falaram e falaram, falaram, falaram...
Eduardo Braga se pronunciou, exatamente as 18 horas e 24 minutos. Como sei de todo o detalhe? O professor Edmilson filmou tudo!
Eduardo Braga falou:
"Boa noite!"
Imediatamente ficamos em pé e viramos as costas. O prefeito continuou:
"Bem, eu gostaria de falar muito pouco, apenas dizer o seguinte: o quanto avançamos na educação. Ainda pouco eu ouvia o diretor dizer que numa parceria MEC - SEMED, nós estávamos implantando laboratórios de informática... laboratórios...
O prefeito travou. Parou o seu discurso, confuso sem entender o que estava acontecendo, aliás, ele e ninguém. As frases nas camisas tinham sido uma ideia de mestre. Ele passou a ler todas elas. O auditório foi tomado por um enorme silencio"².
A merda tinha sido lançada no ventilador. No outro dia o diretor queria a cabeça dos líderes da manifestação. Passamos a viver um momento de turbulência total! Durante uma semana, todo dia um, dois ou três alunos eram suspenso. Passei por uma pressão psicológica terrível.
O diretor já sabia quem era o líder. Mas ele não fazia nada comigo. Suspendia um a um, os colegas que tinha participado da manifestação. O que ele desejava era me expulsar da escola. O mês de setembro foi um inferno.
Fui chamado a ir na própria SEMED, lá dei um show de citações de intelectuais para "²os meus interrogadores: como Karl Marx, Lenin, Hegel, entre outros. Cada pergunta que era feita, respondia usando citações. Naquele momento, estava lendo "Para Além do Bem e do Mal" de Nietzsche.
Os interrogadores piraram! Quem estava me dando aqueles livros. Na biblioteca não havia tais obras. Um pirralho da periferia citando Nietzsche, como? O Edmilson emprestou-me diversos livros, mas a obra "Para Além do Bem e do Mal", não foi ele. Até hoje lembramos desta história, ontem mesmo no nosso encontro da Turma JBL 8º "C", vinte anos depois sorrimos pra caramba sobre o tal cara que emprestou.
O diretor reuniu todos os professores, para descobri quem tinha emprestado o livro de Nietzsche. O professor que me emprestou, cagou nas calças, e nada falou.
Eis o poder de um livro!
Caramba, quase não termino. Se você chegou a ler até aqui, perdoe os erros. Não tive saco para revisar. Talvez um dia eu leio.
1996: foi o ano que não terminou para nós que vivemos toda essa loucura!
Meu professor e amigo: Edmilson Lima. O cara que me ensinou a amar a História e os livros.
Segunda tentativa de reunir a turma do "Júlia", de 1996.
Cíntia e Gaspar - o primeiro vovô da turma 8º "C".
Livro não editado: "Nas mãos da utopia"
¹ https://tokdehistoria.com.br/2012/09/07/bertolt-brecht-perguntas-de-um-trabalhador-que-le/
² ROBERTO, Luciano. "Nas mãos da Utopia". Livro engavetado: mais ou menos 20 anos. (pág. 61, 62, 63, 64)
Belíssimo texto....eu estava lá nesse dia e lembro a cara de "Amélia" do prefeito durante o ato.
ResponderExcluirRealmente impagável..... Parabéns pelo trabalho.
Valeu Elton! Obrigado pelo seu comentário.
ExcluirOlá Luciano! Eu estava presente nesse dia na inauguração do nosso lindo auditório!! Lembro-me da visita do ilustre prefeito Eduardo Braga e da manifestação da 8ª C que ficou registrada em minha memória... Em 1997 terminei o ensino no Julia na 8º C...fui engajado na luta estudantil nessa época como muitos alunos!! Saudades!!
ResponderExcluirolá Luciano! Eu estava presente nesse dia a inauguração do nosso lindo auditório!! Lembro-me da visita do ilustre prefeito Eduardo Braga e da manifestação da 8ª C que ficou registrada em minha memória... Em 1997 terminei o ensino no Julia na 8º C...fui engajado na luta estudantil nessa época como muitos alunos!! Saudades!!
ResponderExcluirSempre me emociono quando lembro de 1996! Parabéns pelo texto!
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