sábado, 29 de outubro de 2016

Diário de eleitor: um cidadão brasileiro

(Luciano Roberto)

Persistência da Memória: obra de Salvador Dalí.

O texto a seguir não passa de uma ficção. Mas uma ficção que está ligada a minha convivência com amigos e gente como a gente, ideologias e lugares da cidade de Manaus.

Manaus, 30 de outubro de 2016.

5h30min.

Acordei cedo. Abri os olhos lentamente, olhei para o lado e vi minha esposa ainda no terceiro sono. Queria voltar a dormir, mas depois de 16 anos acordando as 5h30min para ir trabalhar no Distrito Industrial, o corpo fica adaptado, faz aquilo  que o relógio manda, que é levantar.

Mesmo contra minha vontade, pulo da cama. Penso em qualquer bobagem e lembro que hoje é dia de eleição. Caramba! Não tenho saco para enfrentar um ônibus lotado, já que hoje o transporte coletivo, é gratuito. Para piorar, tem família com uma penca de filhos que usa este dia para visitar famílias que moram em bairros distantes. Estou lascado!

Vou para frente da minha casa. Acendo um cigarro. Faço minha última análise, em que irei votar: Arthur Neto ou Marcelo Ramos? Papo besta homem, já estou mais do que decidido. 

8hs.

Finalmente a mulher acorda. Com ela meus curumins. "Benção papai!". Vem de um por um, pedir a benção: Tiago, Jair, Fernando e Franklin. "Deus te abençoe!". O Franklin é o filho que merece maiores cuidados. O bichinho é pré-maturo, quando tinha uns três anos de idade, levou um coice na cabeça de uma cabra que eu cuidava no quintal de casa para tirar leite. É o meu caçula.

Graças a Deus, no café da manhã teve cará e mandioca cozidos. A mulher também fez uma farofa de jabá, mas as crianças foram mais rápidas. Mal sobrou a farinha e o cheiro do charque.

11h30min.

Estou chateado e mordido! Por que não transferi minha sessão eleitoral para o bairro da Colônia Antônio Aleixo, no dia em que fiz a minha biometria? Burro! Burro! Burro!

12h49min.

A mulher já foi votar e eu ainda estou na parada. Já passaram três ônibus coletivos e nenhum parou, tudo lotado! Voto  na Redenção, lá no outro lado de Manaus, na antiga invasão "Planeta dos Macacos". Estou com uma fome miserável...

13hs.

Finalmente um motorista filho de Deus teve coragem de parar. Sou Católico Apostólico Romano e não gosto de mentir, mas eu juro que dentro do ônibus tinham umas 500 pessoas. Era tanta gente, que o ônibus quando fazia uma curva, dava a impressão que ia virar.

Depois de duas horas pegando e trocando de ônibus, cheguei finalmente na Escola Estadual Hemetério Pinheiro Raposo, onde estava a minha sessão para votar. Mas antes, comprei um "kikão" e um copo com suco de maracujá, chibata que só!   

Depois do bucho ficar mais calmo, enfrentei uma fila miserável  para votar. Parece que todo mundo da minha sessão combinaram que naquele exato momento todos votariam. Maninho era menino chorando, mulher reclamando e o sol tinindo lá fora. O suor corria feito água de igarapé. Ah, um igarapé agora.

14hs38min.

Acabei de votar. Foi um sufoco, mas já fiz minha obrigação de cidadão. Bem que eu gostaria de poder escolher votar ou não. O Brasil não é um país democrático? Por que  eu sou obrigado a votar? Sei lá! Isso é coisa para os graduados debaterem.

17h20min. 

Graças a Deus voltei para minha família. Meus curumins estavam brincando de bola em frente de casa. Tomei um banho. Comi uma tora de tambaqui frito com farinha. Foi tão rápido que nem percebi as espinhas. Bebi um copo d´água. Coloquei uma cadeira em frente de casa. Sentei e liguei o meu velho rádio de pilha. 

Sintonizei na Rádio Tiradentes, onde só toca música boa. Veio o meu caçula todo sujinho, o bichinho, sentou-se do meu lado. A mulher espiava tudo da janela. As crianças continuavam jogando bola. Meus pensamentos diziam: tenho certeza que fiz a coisa certa. Votei no caboclo certo.

Quer saber em quem votei meu filho? Perguntei para o meu menino que parecia não entender nada. Votei no tucano Arthur Neto, 45! O tal do Marcelo Ramos arrota muito abacaba. Tem dinheiro pra isso, tem dinheiro pra aquilo, e eu aqui morto de liso. Quando a esmola é muito grande, cego desconfia.

Né, Franklin? O meu menino levantou a cabeça e sorriu. Depois acenou que sim. Agora é esperar o resultado!








2 comentários:

  1. Opa professor, sou a Jhuly aluna do 9° ano 1, gostei do blog e dos fatos relatados, vou começar a ler com frequência. e.e

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    1. Olá Jhully, que bom que você gostou do blog. Espero ter material suficiente para você ler com frequência. Aliás, neste feriadão que tal ler um bom livro? Na "internet", você vai encontrar um monte de opção em PDF. Um abraço!

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